terça-feira, 20 de setembro de 2016

Bebês sem mãe e a criação de uma manchete mentirosa

      Foi destaque na mídia na semana passada: um grupo de pesquisadores do Reino Unido afirmou que no futuro talvez seja possível criar embriões com dois pais e sem mãe, supostamente derrubando um “dogma científico” de quase dois séculos, segundo o qual só um óvulo em estado natural seria capaz de ativar alterações na atividade dos genes de um espermatozoide para dar origem a uma prole saudável. No experimento, realizado com camundongos, os cientistas liderados por Tony Perry, do Departamento de Biologia e Bioquímica da Universidade de Bath, no Sudoeste da Inglaterra, usaram tratamentos químicos para “enganar” óvulos e fazer com que eles começassem a se desenvolver em embriões sem ter sido fertilizados. Mas, com apenas metade do código genético necessário para formar um organismo, esses embriões haploides, conhecidos como partenotos, são inviáveis, morrendo em poucos dias. Antes disso, no entanto, os pesquisadores injetaram neles espermatozoides, fornecendo a segunda metade dos pares de cromossomos necessários para que continuassem a se desenvolver em um ser diploide.

          Parecia, finalmente, a solução para que “casais” masculinos pudessem ter filhos. Só que não. As coisas permanecerão do jeito que Deus idealizou. Nada como um dia depois do outro para a gente sentir vergonha alheia de alguns coleguinhas da imprensa.

      Segundo matéria publicada no site da revista Science, tudo não passou de espetáculo. Os cientistas não descobriram como fazer “bebês sem mãe”, nem chegaram perto de criar um embrião sem o uso de um óvulo. Diz a matéria: “Um artigo publicado na Nature Communications provocou uma enxurrada de manchetes sobre formas futuristas de contornar a fórmula básica ‘espermatozoide + óvulo = embrião’. Foram contadas histórias de pesquisadores que teriam usado uma célula da pele, por exemplo, em vez de um óvulo, para fazer um bebê, o que, segundo eles, poderia tornar possível para um casal gay ter um bebê por meio da fusão do espermatozoide de um homem com a célula da pele do outro.”

        Só que, segundo a Science, o que foi divulgado não tem nada a ver com a ideia de criar um embrião sem o uso de um óvulo. Como a maioria dos livros de biologia introdutória explica, o que faz com que espermatozoide e óvulo sejam capazes de se fundir e dar origem a um novo organismo é que cada um deles contém apenas metade dos cromossomos. O termo técnico para isso é uma célula haploide. As células da pele são definitivamente não haploides, e ninguém chegou perto de descobrir como torná-las assim.

         Além disso, o óvulo contém poderosos fatores ainda desconhecidos que lhe permitem dirigir os primeiros passos do desenvolvimento embrionário. Resumindo, os óvulos ainda são insubstituíveis e revelam tremendo design inteligente e complexidade irredutível. Os mecanismos complexos que promovem a fecundação, como a afinidade bioquímica entre as duas células germinativas totalmente diferentes, e a capacidade do óvulo de dirigir o desenvolvimento do embrião deveriam estar presentes desde a primeira vez em que um óvulo foi fecundado por um espermatozoide, do contrário, não estaríamos aqui falando sobre isso.

       A matéria da Science também dá as dicas de como tornar uma pesquisa não conclusiva em um “fato” midiático. Anote aí:

1. Crie um título cheio de jargão: “Ratos produzidos por reprogramação mitótica do esperma injetado em partenogênese haploide.” Ou algo do gênero.

2. Divulgue sua pesquisa em linguagem mais acessível e crie um título interessante: “Esperma de rato gera descendência viável sem fertilização de um óvulo.”

3. Organize uma conferência para a imprensa com os autores do paper.

4. Consiga uma citação elogiosa de um cientista bem conhecido e respeitado. Tipo:
“[É] um tour de force técnico.”

E funciona. Veja a manchete no Telegraph: “Bebês sem mãe são possíveis: como os cientistas criaram descendência viva, sem necessidade de um óvulo feminino”; e no The Guardian: “Células da pele podem ser usadas em lugar de óvulos para fazer embriões, dizem cientistas.”


      Por enquanto, para continuar existindo, a espécie humana continua dependendo da maravilhosa união entre as células germinativas de um homem e uma mulher. E fica a grande lição: não confie em tudo o que lê e vê por aí. 

Michelson Borges

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Novos estudos reforçam a tese criacionista sobre a variabilidade dos seres vivos

     Matthew Ravosa, da Universidade de Notre Dame, liderou uma equipe que publicou recentemente um artigo na Biological Reviews[1, 2] a respeito da plasticidade dos aspectos físicos de uma dada espécie. Animais submetidos a dietas diferentes possuem desenvolvimentos diferentes nos mais diversos níveis, como afirma o professor Ravosa: 
“Durante o crescimento pós-natal, mostramos que essas variações no estresse de mastigação relacionadas à dieta induzem uma cascata de mudanças nos níveis celular, de tecidos, protéicos e genéticos, de forma a manter a integridade das estruturas craniomandibulares envolvidas no processamento de alimento.”[1]
As variações induzidas nesses experimentos chegam mesmo a ser comparadas a diferenças observadas entre espécies distintas: 
“Em terceiro lugar, dada a longa duração dos experimentos, somos capazes de demonstrar que um padrão dietético iniciado ainda no período pós-natal e de duração prolongada pode resultar em níveis de variações das mandíbulas de uma única espécie em par com aquelas observadas entre espécies.”[1] 
       O professor Ravosa também chama a atenção para o tipo de dificuldade que isso traz para a interpretação dos fragmentos de ossos encontrados no registro fóssil: 
“Essas análises longitudinais mostram que os efeitos morfológicos da ‘sazonalidade’ dietética são detectados apenas em algumas regiões do crânio, o que atrapalha ainda mais nossa habilidade de reconstruir acuradamente a biologia de organismos fósseis representados por espécimes singulares e fragmentados.”[1
    Em outras palavras, um pesquisador corre o risco de anunciar a descoberta de uma nova espécie com base em uns poucos fragmentos de ossos, quando na verdade o que tem em mãos pode ser apenas uma variação de uma espécie já conhecida induzida pela própria alimentação. Ressalte-se que a definição de espécies é, há muito tempo, um tema controverso.

     Os criacionistas, ao contrário do que afirmam determinados livros-texto universitários,[3] não são fixistas, isto é, não defendem que as espécies que existem hoje foram criadas da forma como as conhecemos desde o início. A própria tese criacionista para o repovoamento do mundo animal após o dilúvio depende da existência de variabilidade. Alguns chamam isso de microevolução, embora existam boas razões para utilizarmos termos como diversificação de baixo nível.

     O tipo de variabilidade que normalmente é encontrado no registro fóssil, e que é invocado exaustivamente como evidencia a favor da evolução, ajusta-se melhor à ideia criacionista de variações limitadas. É comum, quando se pesquisa o argumento em fonte evolucionista, encontrarmos um cenário que coloca de um lado a proposta evolucionista, que prevê variações, e do outro uma distorcida proposta criacionista, que não prevê variações. Diante das variações observadas em experimentos e no registro fóssil, argumenta-se então que a evidência é favorável à evolução. Nada mais enganoso.

    Quando se entende que ambas as propostas preveem variações, recai sobre os evolucionistas o ônus de demonstrar as transformações que excedem essas mudanças em pequena escala, ou o que muitos chamariam de macroevolução. Nas palavras de um evolucionista sincero nesse ponto, “é possível imaginar, por extrapolação, que, se os processos em pequena escala que vimos continuassem por um período de tempo suficientemente longo, eles poderiam produzir a variedade moderna da vida”.[3] E é este o ponto que realmente deveria figurar no centro do debate: Essa extrapolação é válida? Não seriam o grande número de fraudes e interpretações equivocadas sintomas de que a extrapolação evolucionista se sustenta forçosamente, mais apoiada em uma visão de mundo do que em evidência palpável?

(Rodrigo Meneghetti Pontes - Doutor em Química pela UEM)


[1] University of Notre Dame. “Reinterpreting the fossil record on jaws.” ScienceDaily, 17 August 2016.

[2] Matthew J. Ravosa, Rachel A. Menegaz, Jeremiah E. Scott, David J. Daegling, Kevin R. McAbee. “Limitations of a morphological criterion of adaptive inference in the fossil record”. Biological Reviews, 2015; DOI: 10.1111/brv.12199

[3] Mark Ridley, Evolução, 3a Ed., Artmed, 2006, p. 67, 77.