terça-feira, 27 de dezembro de 2016

As escrituras são suficientes


       A doutrina da suficiência das Escrituras repousa no coração do que significa ser um protestante. Protestantismo e catolicismo romano compartilham muito em comum em termos de teologia básica, tal como o comprometimento com as doutrinas da Trindade e encarnação. Quando se fala a respeito de assuntos de autoridade, entretanto, há grandes divergências. Uma dessas é a respeito da Escritura: a Escritura é suficiente como autoridade para a igreja ou não? A suficiência das Escrituras é, obviamente, uma doutrina que está de pé em positiva conexão com várias outras convicções teológicas, tal como inerrância, a extensão do cânon e a perspicuidade, ou clareza, da Escritura. Tudo isso ajuda a moldar nosso entendimento da suficiência, mas está além do escopo desse breve artigo. Dessa forma, focarei na doutrina como ela é entendida de forma geral por aqueles que aceitam o consenso confessional protestante acerca desses assuntos, como é retratado na segunda confissão de Londres, as três formas de unidade e os padrões de Westminster.

O que significa que a Escritura é suficiente? 

        Precisamos, é claro, analisar o que significa quando dizemos que a Escritura é suficiente. Se meu carro quebra, ou estou tentando investigar quem cometeu um crime em um enigma particularmente complexo, não encontrarei a resposta na Bíblia. Nem encontrarei a discussão do genoma humano, ou as regras de um jogo, ou as marcas das asas da borboleta da América do Norte. Na verdade, o escopo da suficiência das Escrituras é simplesmente resumido na Questão 3 do Breve Catecismo de Westminster: 
"3.3 Qual é a coisa principal que as Escrituras nos ensinam? 4.A coisa principal que as Escrituras nos ensinam é o que o homem deve crer acerca de Deus e o dever que Deus requer do homem." 
        Em outras palavras, as Escrituras são suficientes para uma tarefa específica: elas revelam quem Deus é, quem o homem é em relação a ele e como esse relacionamento deve ser articulado em termos de adoração.

       Mesmo com essa definição, entretanto, precisamos ser precisos a respeito da natureza dessa suficiência. Em algumas áreas, as Escrituras são suficientes para ensinar princípios, mas não para prover detalhes específicos. Por exemplo, enquanto elas claramente ensinam que a igreja deveria se reunir para adoração no Dia do Senhor, elas não especificam precisamente tempo e local. Nem minha congregação local, nem o tempo de nossos serviços são mencionados em lugar algum do Novo Testamento. A suficiência das Escrituras não é prejudicada por essa carência. A Escritura nunca teve a intenção de falar com precisão sobre tais detalhes locais.

       A última observação talvez seja óbvia. Um ponto mais sutil sobre a suficiência das Escrituras pode ser deduzido das epístolas pastorais de Paulo. Quando Paulo as escreve, ele está dispondo seu modelo para a igreja pós-apostólica. É, portanto, significante que ele não diga simplesmente a Timóteo e Tito para ter certeza que haja cópias da Bíblia disponíveis para a igreja. Se a Escritura em si e fora de si mesma eram suficientes para manter a verdade da fé, certamente isso é tudo que ele precisaria ter feito. Em vez disso, ele não somente enfatiza a importância da Escritura, mas também diz que há necessidade de oficiais (presbíteros e diáconos) e de adesão a uma forma de palavras sãs (um ensino credal tradicional). Então, dizer que a Escritura é suficiente para a igreja não é dizer que há somente uma coisa necessária. Oficiais e credos/confissões/estatutos de fé (formas que concordam com as sãs palavras) também parecem ser parte básica da visão de Paulo para uma igreja pós-apostólica.

       Dados esses fatores, há um sentido em que podemos dizer que os protestantes acreditam na insuficiência das Escrituras: reconhecemos que a Escritura é insuficiente para muitos detalhes da vida diária, tal como a manutenção de uma motocicleta e cozinhar carne. É até mesmo insuficiente para o dia-a-dia e boa saúde da igreja: precisamos de presbíteros, diáconos e modelos de sãs palavras. Ela é suficiente, entretanto, para regular o conteúdo doutrinário da fé cristã e a vida da igreja em um nível principal. Esse é o ponto de Paulo em 2Timóteo 3.16. Em outras palavras, falar da suficiência das Escrituras é uma forma de falar acerca da autoridade única da Escritura na vida da igreja e do crente como autoritativa e fonte suficiente para princípios de fé e prática.

 A Escritura é suficiente para o que?

 Podemos elaborar isso. 

Primeiro: a Escritura é suficiente como base noética do conhecimento de Deus. Isso significa que toda afirmação teológica tem que ser consistente como ensino da Escritura. A declaração: “Deus é Trindade”, não é achada em lugar algum da Bíblia, mas seu conteúdo conceitual está lá. Esse é o motivo pelo qual deveria ser afirmada por todos os cristãos. Em contraste, “Maria foi concebida sem pecado original” não é um conceito encontrado na Escritura. Católicos romanos que afirmam a noção revelam dessa forma sua visão que a Escritura não é a base suficiente para teologia, mas precisa ser suplementada pelo ensino do magistério da igreja.

Segundo: a Escritura é suficiente para a prática cristã. No nível do comportamento, a Escritura oferece princípios que guiam crentes em suas vidas dia a dia. Isso pode ser uma área complicada: o advento de Cristo demanda que os códigos da lei do Antigo Testamento sejam lidos à luz da sua pessoa e obra, e esse assunto está além do escopo imediato desse pequeno tratado. Mas o princípio da suficiência é claro: dada a dinâmica histórico-redentiva, a Escritura provê princípios gerais totalmente adequados e suficientes que podem ser aplicados em situações éticas específicas. Por exemplo, a Bíblia pode não fazer referência às células-tronco, mas contém princípios que deveriam moldar nossas atitudes para com elas.

Terceiro: no nível da igreja e instituição, a Escritura é novamente suficiente para os princípios de organização e adoração pública. Em termos de organização, tenho já notado o fato de que Paulo vê aqueles que possuem cargos e confissões/credos como vitais para a saúde corrente da igreja. Quanto aos que possuem cargos, a Escritura também descreve o tipo de homens que devem ser apontados. Quanto aos credos, meu primeiro ponto acima – que a Escritura é suficiente como a norma do conteúdo da declaração doutrinária – é claramente relevante.

Quarto: em termos de adoração pública, a Escritura é suficiente para estabelecer seus elementos: cantar louvor, oração, leitura e pregação da Palavra de Deus, dízimo e ofertas para a obra da igreja, batismo e a Ceia do Senhor. Com respeito aos credos, a Escritura também é suficiente para regular a agenda e o conteúdo dos sermões, músicas de louvor, orações, com o que o dinheiro será gasto, quem é batizado e quem recebe a Ceia do Senhor.

        Em resumo, alguém pode dizer muitas coisas acerca de como uma igreja em particular entende a suficiência das Escrituras por olhar para sua forma de governo, o conteúdo e ênfase da sua adoração corporativa e a forma como os presbíteros pastoreiam a congregação.

Texto original: The Sufficiency of Scripture
Traduzido por Matheus Fernandes - Ministério Fiel - Voltemos ao Evangelho


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Sabemos o que é Igreja?

      Igreja não é templo, não é sinagoga, não é mesquita. Não é o santuário onde os fiéis se reúnem para cultuar a Deus. Igreja é gente, e não lugar. É a assembléia de pecadores perdoados; de incrédulos que se tornam crentes; de pessoas espiritualmente mortas que são espiritualmente ressuscitadas; de apáticos que passam a ter sede do Deus vivo; de soberbos que se fazem humildes; de desgarrados que voltam ao aprisco. Igreja é mistura de raças diferentes, distâncias diferentes, línguas diferentes, cores diferentes, nacionalidades diferentes, culturas diferentes, níveis diferentes, temperamentos diferentes. A única coisa não diferente na Igreja é a fé em Jesus Cristo. A Igreja não é igreja ocidental nem igreja oriental. Não é Igreja Católica Romana nem igreja protestante. 

       Não é igreja tradicional nem igreja pentecostal. Não é igreja liberal nem igreja conservadora. Não é igreja fundamentalista nem igreja evangelical. A Igreja não é Igreja Adventista, Igreja Anglicana, Igreja Assembléia de Deus, Igreja Batista, Igreja Congregacional, Igreja Deus é Amor, Igreja Episcopal, Igreja Holiness, Igreja Luterana, Igreja Maranata, Igreja Menonita, Igreja Metodista, Igreja Morávia, Igreja Nazarena, Igreja Presbiteriana, Igreja Quadrangular, Igreja Reformada, Igreja Renascer em Cristo nem igrejas sem nome.

        A Igreja é católica (universal), mas não é romana. É universal (católica) mas não é a Universal do Reino de Deus. É de Jesus Cristo, mas não dos Santos dos Últimos Dias. Porque é universal, não é igreja armênia, igreja búlgara, igreja copta, igreja etíope, igreja grega, igreja russa nem igreja sérvia. Porque é de Jesus Cristo, não é de Simão Pedro, não é de Miguel Cerulário, não é de Martinho Lutero, não é de Simão Kimbangu, não é de Sun Myung Moon, não é de Bento XVI. Em todo o mundo e em toda a história, a única pessoa que pode chamar de minha a Igreja é o Senhor Jesus Cristo. Ele declarou a Cefas: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mt 16.18).

        Não há nada mais inescrutável e fantástico do que a Igreja de Jesus Cristo. Ela é o mais antigo, o mais universal, o mais indiscriminatório, o mais inexpugnável e o mais misterioso de todos os agrupamentos. Dela fazem parte os que ainda vivem (igreja militante) e os que já se foram (igreja triunfante). Seus membros estão entrelaçados, mesmo que, por enquanto, não se conheçam plenamente. Todos igualmente são “concidadãos dos santos” (Ef 2.19), “co-herdeiros com Cristo” (Ef 3.6; Rm 8.17) e “co-participantes das promessas” (Ef 3.6). Eles são nada menos e nada mais do que a Família de Deus (Ef 2.19; 3.15). Ali, ninguém é corpo estranho, ninguém é estrangeiro, ninguém é de fora. É por isso que, na consumação do século, “eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com eles” (Ap 21.3). A Igreja de Jesus, também chamada Igreja de Deus (1 Co 1.2; 10.22; 11.22; 15.9; 1 Tm 3.5 e 15), Rebanho de Deus (1 Pe 5.2), Corpo de Cristo (1 Co 12.27) e Noiva de Cristo (Ap 21.2), tem como Esposo (Ap 21.9), Cabeça (Cl 1.18) e Pastor (Hb 13.20) o próprio Jesus.

       A tradicional diferença entre igreja visível e igreja invisível não significa a existência de duas igrejas. A Igreja é uma só (Ef 4.4). 

A igreja invisível é aquela que reúne o número total de redimidos, incluindo os mortos, os vivos e os que ainda hão de nascer e se converter. Eventualmente pode incluir pecadores arrependidos que nunca frequentaram um templo cristão nem foram batizados. Somente Deus sabe quantos e quais são: “O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2 Tm 2.19). 

A igreja visível é aquela que reúne não só os redimidos, mas também os não redimidos, muito embora passem pelo batismo cristão, se declarem cristãos e possam galgar posições de liderança. É a igreja composta de trigo e joio, de verdadeiros crentes e de pseudocrentes. Dentro da igreja visível está a igreja invisível, mas dentro da igreja invisível nunca está toda a igreja visível. A Igreja de Jesus é uma só, porém é conhecida imperfeitamente na terra e perfeitamente no céu.

Fonte: Ultimato Online