terça-feira, 27 de dezembro de 2016

As escrituras são suficientes


       A doutrina da suficiência das Escrituras repousa no coração do que significa ser um protestante. Protestantismo e catolicismo romano compartilham muito em comum em termos de teologia básica, tal como o comprometimento com as doutrinas da Trindade e encarnação. Quando se fala a respeito de assuntos de autoridade, entretanto, há grandes divergências. Uma dessas é a respeito da Escritura: a Escritura é suficiente como autoridade para a igreja ou não? A suficiência das Escrituras é, obviamente, uma doutrina que está de pé em positiva conexão com várias outras convicções teológicas, tal como inerrância, a extensão do cânon e a perspicuidade, ou clareza, da Escritura. Tudo isso ajuda a moldar nosso entendimento da suficiência, mas está além do escopo desse breve artigo. Dessa forma, focarei na doutrina como ela é entendida de forma geral por aqueles que aceitam o consenso confessional protestante acerca desses assuntos, como é retratado na segunda confissão de Londres, as três formas de unidade e os padrões de Westminster.

O que significa que a Escritura é suficiente? 

        Precisamos, é claro, analisar o que significa quando dizemos que a Escritura é suficiente. Se meu carro quebra, ou estou tentando investigar quem cometeu um crime em um enigma particularmente complexo, não encontrarei a resposta na Bíblia. Nem encontrarei a discussão do genoma humano, ou as regras de um jogo, ou as marcas das asas da borboleta da América do Norte. Na verdade, o escopo da suficiência das Escrituras é simplesmente resumido na Questão 3 do Breve Catecismo de Westminster: 
"3.3 Qual é a coisa principal que as Escrituras nos ensinam? 4.A coisa principal que as Escrituras nos ensinam é o que o homem deve crer acerca de Deus e o dever que Deus requer do homem." 
        Em outras palavras, as Escrituras são suficientes para uma tarefa específica: elas revelam quem Deus é, quem o homem é em relação a ele e como esse relacionamento deve ser articulado em termos de adoração.

       Mesmo com essa definição, entretanto, precisamos ser precisos a respeito da natureza dessa suficiência. Em algumas áreas, as Escrituras são suficientes para ensinar princípios, mas não para prover detalhes específicos. Por exemplo, enquanto elas claramente ensinam que a igreja deveria se reunir para adoração no Dia do Senhor, elas não especificam precisamente tempo e local. Nem minha congregação local, nem o tempo de nossos serviços são mencionados em lugar algum do Novo Testamento. A suficiência das Escrituras não é prejudicada por essa carência. A Escritura nunca teve a intenção de falar com precisão sobre tais detalhes locais.

       A última observação talvez seja óbvia. Um ponto mais sutil sobre a suficiência das Escrituras pode ser deduzido das epístolas pastorais de Paulo. Quando Paulo as escreve, ele está dispondo seu modelo para a igreja pós-apostólica. É, portanto, significante que ele não diga simplesmente a Timóteo e Tito para ter certeza que haja cópias da Bíblia disponíveis para a igreja. Se a Escritura em si e fora de si mesma eram suficientes para manter a verdade da fé, certamente isso é tudo que ele precisaria ter feito. Em vez disso, ele não somente enfatiza a importância da Escritura, mas também diz que há necessidade de oficiais (presbíteros e diáconos) e de adesão a uma forma de palavras sãs (um ensino credal tradicional). Então, dizer que a Escritura é suficiente para a igreja não é dizer que há somente uma coisa necessária. Oficiais e credos/confissões/estatutos de fé (formas que concordam com as sãs palavras) também parecem ser parte básica da visão de Paulo para uma igreja pós-apostólica.

       Dados esses fatores, há um sentido em que podemos dizer que os protestantes acreditam na insuficiência das Escrituras: reconhecemos que a Escritura é insuficiente para muitos detalhes da vida diária, tal como a manutenção de uma motocicleta e cozinhar carne. É até mesmo insuficiente para o dia-a-dia e boa saúde da igreja: precisamos de presbíteros, diáconos e modelos de sãs palavras. Ela é suficiente, entretanto, para regular o conteúdo doutrinário da fé cristã e a vida da igreja em um nível principal. Esse é o ponto de Paulo em 2Timóteo 3.16. Em outras palavras, falar da suficiência das Escrituras é uma forma de falar acerca da autoridade única da Escritura na vida da igreja e do crente como autoritativa e fonte suficiente para princípios de fé e prática.

 A Escritura é suficiente para o que?

 Podemos elaborar isso. 

Primeiro: a Escritura é suficiente como base noética do conhecimento de Deus. Isso significa que toda afirmação teológica tem que ser consistente como ensino da Escritura. A declaração: “Deus é Trindade”, não é achada em lugar algum da Bíblia, mas seu conteúdo conceitual está lá. Esse é o motivo pelo qual deveria ser afirmada por todos os cristãos. Em contraste, “Maria foi concebida sem pecado original” não é um conceito encontrado na Escritura. Católicos romanos que afirmam a noção revelam dessa forma sua visão que a Escritura não é a base suficiente para teologia, mas precisa ser suplementada pelo ensino do magistério da igreja.

Segundo: a Escritura é suficiente para a prática cristã. No nível do comportamento, a Escritura oferece princípios que guiam crentes em suas vidas dia a dia. Isso pode ser uma área complicada: o advento de Cristo demanda que os códigos da lei do Antigo Testamento sejam lidos à luz da sua pessoa e obra, e esse assunto está além do escopo imediato desse pequeno tratado. Mas o princípio da suficiência é claro: dada a dinâmica histórico-redentiva, a Escritura provê princípios gerais totalmente adequados e suficientes que podem ser aplicados em situações éticas específicas. Por exemplo, a Bíblia pode não fazer referência às células-tronco, mas contém princípios que deveriam moldar nossas atitudes para com elas.

Terceiro: no nível da igreja e instituição, a Escritura é novamente suficiente para os princípios de organização e adoração pública. Em termos de organização, tenho já notado o fato de que Paulo vê aqueles que possuem cargos e confissões/credos como vitais para a saúde corrente da igreja. Quanto aos que possuem cargos, a Escritura também descreve o tipo de homens que devem ser apontados. Quanto aos credos, meu primeiro ponto acima – que a Escritura é suficiente como a norma do conteúdo da declaração doutrinária – é claramente relevante.

Quarto: em termos de adoração pública, a Escritura é suficiente para estabelecer seus elementos: cantar louvor, oração, leitura e pregação da Palavra de Deus, dízimo e ofertas para a obra da igreja, batismo e a Ceia do Senhor. Com respeito aos credos, a Escritura também é suficiente para regular a agenda e o conteúdo dos sermões, músicas de louvor, orações, com o que o dinheiro será gasto, quem é batizado e quem recebe a Ceia do Senhor.

        Em resumo, alguém pode dizer muitas coisas acerca de como uma igreja em particular entende a suficiência das Escrituras por olhar para sua forma de governo, o conteúdo e ênfase da sua adoração corporativa e a forma como os presbíteros pastoreiam a congregação.

Texto original: The Sufficiency of Scripture
Traduzido por Matheus Fernandes - Ministério Fiel - Voltemos ao Evangelho


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Sabemos o que é Igreja?

      Igreja não é templo, não é sinagoga, não é mesquita. Não é o santuário onde os fiéis se reúnem para cultuar a Deus. Igreja é gente, e não lugar. É a assembléia de pecadores perdoados; de incrédulos que se tornam crentes; de pessoas espiritualmente mortas que são espiritualmente ressuscitadas; de apáticos que passam a ter sede do Deus vivo; de soberbos que se fazem humildes; de desgarrados que voltam ao aprisco. Igreja é mistura de raças diferentes, distâncias diferentes, línguas diferentes, cores diferentes, nacionalidades diferentes, culturas diferentes, níveis diferentes, temperamentos diferentes. A única coisa não diferente na Igreja é a fé em Jesus Cristo. A Igreja não é igreja ocidental nem igreja oriental. Não é Igreja Católica Romana nem igreja protestante. 

       Não é igreja tradicional nem igreja pentecostal. Não é igreja liberal nem igreja conservadora. Não é igreja fundamentalista nem igreja evangelical. A Igreja não é Igreja Adventista, Igreja Anglicana, Igreja Assembléia de Deus, Igreja Batista, Igreja Congregacional, Igreja Deus é Amor, Igreja Episcopal, Igreja Holiness, Igreja Luterana, Igreja Maranata, Igreja Menonita, Igreja Metodista, Igreja Morávia, Igreja Nazarena, Igreja Presbiteriana, Igreja Quadrangular, Igreja Reformada, Igreja Renascer em Cristo nem igrejas sem nome.

        A Igreja é católica (universal), mas não é romana. É universal (católica) mas não é a Universal do Reino de Deus. É de Jesus Cristo, mas não dos Santos dos Últimos Dias. Porque é universal, não é igreja armênia, igreja búlgara, igreja copta, igreja etíope, igreja grega, igreja russa nem igreja sérvia. Porque é de Jesus Cristo, não é de Simão Pedro, não é de Miguel Cerulário, não é de Martinho Lutero, não é de Simão Kimbangu, não é de Sun Myung Moon, não é de Bento XVI. Em todo o mundo e em toda a história, a única pessoa que pode chamar de minha a Igreja é o Senhor Jesus Cristo. Ele declarou a Cefas: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mt 16.18).

        Não há nada mais inescrutável e fantástico do que a Igreja de Jesus Cristo. Ela é o mais antigo, o mais universal, o mais indiscriminatório, o mais inexpugnável e o mais misterioso de todos os agrupamentos. Dela fazem parte os que ainda vivem (igreja militante) e os que já se foram (igreja triunfante). Seus membros estão entrelaçados, mesmo que, por enquanto, não se conheçam plenamente. Todos igualmente são “concidadãos dos santos” (Ef 2.19), “co-herdeiros com Cristo” (Ef 3.6; Rm 8.17) e “co-participantes das promessas” (Ef 3.6). Eles são nada menos e nada mais do que a Família de Deus (Ef 2.19; 3.15). Ali, ninguém é corpo estranho, ninguém é estrangeiro, ninguém é de fora. É por isso que, na consumação do século, “eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com eles” (Ap 21.3). A Igreja de Jesus, também chamada Igreja de Deus (1 Co 1.2; 10.22; 11.22; 15.9; 1 Tm 3.5 e 15), Rebanho de Deus (1 Pe 5.2), Corpo de Cristo (1 Co 12.27) e Noiva de Cristo (Ap 21.2), tem como Esposo (Ap 21.9), Cabeça (Cl 1.18) e Pastor (Hb 13.20) o próprio Jesus.

       A tradicional diferença entre igreja visível e igreja invisível não significa a existência de duas igrejas. A Igreja é uma só (Ef 4.4). 

A igreja invisível é aquela que reúne o número total de redimidos, incluindo os mortos, os vivos e os que ainda hão de nascer e se converter. Eventualmente pode incluir pecadores arrependidos que nunca frequentaram um templo cristão nem foram batizados. Somente Deus sabe quantos e quais são: “O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2 Tm 2.19). 

A igreja visível é aquela que reúne não só os redimidos, mas também os não redimidos, muito embora passem pelo batismo cristão, se declarem cristãos e possam galgar posições de liderança. É a igreja composta de trigo e joio, de verdadeiros crentes e de pseudocrentes. Dentro da igreja visível está a igreja invisível, mas dentro da igreja invisível nunca está toda a igreja visível. A Igreja de Jesus é uma só, porém é conhecida imperfeitamente na terra e perfeitamente no céu.

Fonte: Ultimato Online

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

A Universal e o "demônio" arrependido pregador da Palavra

     A cada dia a igreja Universal nos surpreende com as suas bizarrices. Parece uma disputa entre a IURD de Macedo e a IAPTD de Agenor Duque para quem vai ganhar o troféu heresia do ano. Esses caras deixam os heresiarcas da igreja primitiva no chinelo e inventam histórias que até “Deus duvida”. A Universal adora fazer entrevistas com o “capiroto” e isso não é novidade para ninguém. Os pastores fazem até pregações em cima das revelações do “tinhoso”! Mas o cúmulo do absurdo foi um vídeo postado pelo bispo Edir Macedo, onde durante uma sessão de descarrego, prática espírita muito comum na IURD, o bispo Rogério Formigoni faz uma “entrevista” com uma mulher supostamente possuída por um “demônio”. A filmagem inicia com ela já falando com a voz característica de quem está tomada por um espírito imundo. Gravado dentro de um templo, com toda a pompa e sensacionalismo, a mulher aparece no “altar”, sendo segura pelos cabelos, enquanto os fiéis cantam um louvor. O bispo ergue a mulher que começa a vociferar:
“Desgraçado, você tomou meu lugar. Você está no coração dele [Deus] e eu fui expulso”, diz o que seria o demônio que possuía a mulher. E continua: “Você tem direito a uma coisa que eu queria. Você tem direito à salvação e eu não posso”.
       Vamos dá uma paradinha aqui. O suposto “demônio” se mostra arrependido e anseia pela salvação. Isso mesmo, nobre leitor! Nos é apresentado aqui, um “demônio” que anseia pela salvação, mas devido à sua situação, ele já não tem mais esse direito. Mas não é isso que a Palavra de Deus ensina. A Bíblia diz que o diabo está tão “arrependido”, que usará de todas as suas forças nos últimos dias para tentar distorcer, reprimir e destruir a palavra de Deus. Ele e seus anjos trabalham incansavelmente em prol da destruição de ser humano. O próprio Jesus, em uma analogia, disse que o “ladrão veio para matar, roubar e destruir” (Jo. 10-10). Isso nos mostra um pouco da ambição de Satanás em relação ao ser humano. O livro de Apocalipse também nos traz um vislumbre da verdadeira natureza e intenções de Satanás, enganar as pessoas:
“O grande dragão foi lançado fora. Ele é a antiga serpente chamada diabo ou Satanás, que engana o mundo todo. Ele e os seus anjos foram lançados à terra. ” (Ap. 12:9) (NVI)
E também o apóstolo Pedro:
“Sejam sóbrios e vigiem. O diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar. ” (1 Pedro 5:8) (NVI)
        Continuando, a mulher supostamente endemoninhada diz: “Eu faria tudo para ter mais uma chance, e esses desgraçados não aproveitam, brincam. O inferno é deles”, confessa. O bispo esclarece que ela está se referindo à salvação. Logo em seguida, Formigoni questiona: “Se você tivesse uma única chance ainda para ser salvo, como você faria? ”
“Eu agarraria com toda minha força, eu faria de tudo, de tudo! Eu buscaria Ele todo dia, todo minuto, todo segundo”. Perguntada pelo bispo se voltaria nos cultos de meio de semana, a entidade discorda: “Eu tava aqui todos os dias. Eu ia servir a Ele com o melhor de mim”. Para terminar (como não podia deixar de falar de dinheiro) o bispo indaga ao “demônio” se ele seria dizimista fiel, e a resposta ouvida foi:  “Seu Deus, ele dá o melhor. Ele é zeloso”. Voltando-se para os presentes, Formigoni chama atenção para o que acabou de ouvir. “Não é forte isso? … O Diabo sabe como é o reino de Deus.” 

       O demônio da Universal está arrependido, prega a palavra de Deus e ainda por cima dá lições sobre dízimo e ofertas! Esse é dos “bão” mesmo! A mulher termina fazendo uma “revelação” acerca do inferno: “Horrível. Fogo, grito, dor, tormento, 24 horas tem alma gritando para Ele [Deus] dar mais uma chance. O pior de tudo é que o seu Deus não vai dar”. Formigoni expulsa então o demônio da mulher, pedindo que todos os crentes no local orassem com ele. A mulher cai e, quando se levanta, já recomposta, fala com sua voz "normal", dizendo estar aliviada.

      Diante de uma situação dessas, temos três opções: 

1) ou essa senhora foi muito bem paga para fazer esse teatro;
2) ou ela sofre de algum caso severo de esquizofrenia ou outra doença mental; 
3) ou de fato, é mesmo uma possessão onde o demônio está usando suas habilidades e mentiras para manter essas pessoas mais aprisionadas às essas seitas neo pentecas. Ele usa suas distrações e mentiras, desviando o foco da Verdade do Evangelho. Pois isso nunca foi, nem será Evangelho! 

       Mas será que o diabo não é obrigado à falar a verdade mediante ao nome de Jesus? Creio que se tivesse um propósito específico e Jesus desse uma ordem direta à ele, creio que sim. Mas não é esse o caso. Eles usam desse sensacionalismo para enganar as pessoas. E nisso Nosso Senhor não tem parte! Jesus disse que o diabo é mentiroso:
“(...) Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira. ” (João 8:44b) (grifo meu)
       Será que podemos confiar em que Satanás diz? De forma alguma! Devemos confiar na Palavra de Deus e usá-la como direção para as nossas vidas, pois “a Tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu caminho. ” (Salmos 119:105); Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. (João 17:17) (grifo meu)

Paz do Senhor à todos que estão em Cristo.
Maranata!

Prof. Saulo Nogueira

Assista o vídeo:


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A Reforma acabou?

     “As questões que suscitaram a Reforma quinhentos anos atrás ainda estão muito presentes no século 21 em toda a igreja”, declara o documento, publicado antes do quingentésimo aniversário e assinado por mais de 50 líderes evangélicos.

      No dia 24 de outubro de 2016, tornou-se público o manifesto “A Reforma Acabou? Uma Declaração de Convicções Evangélicas”. O documento é uma resposta à abordagem assumida, de comum acordo, pela Igreja Católica Romana e algumas igrejas e organizações protestantes e evangélicas. Elaborado pela Reformanda Initiative, o manifesto declara:
 “Às vésperas do quingentésimo aniversário da Reforma Protestante, cristãos evangélicos de todo o mundo têm a oportunidade de refletir novamente sobre o legado da Reforma tanto na igreja global de Jesus Cristo como no desenvolvimento do trabalho evangelístico. Após séculos de controvérsias e tensões entre evangélicos e católicos, a cordialidade ecumênica de tempos recentes criou condições propícias para que líderes de ambos os lados afirmassem que a Reforma está em seus momentos finais e que as principais discordâncias teológicas que levaram à ruptura do cristianismo ocidental no século 16 já estão resolvidas.” 
     São exemplos dessa cordialidade o papel ativo que o Papa Francisco desempenhará na Comemoração Ecumênica da Reforma em Lund, Suécia, no dia 31 de outubro deste ano, e as atividades que visam buscar “unidade” e “reconciliação” na Alemanha entre a Igreja Protestante (EKD) e a Igreja Católica Romana.

MAIS INFORMAÇÕES

       O documento foi assinado por mais de 50 teólogos evangélicos, líderes de igrejas e líderes de instituições evangélicas de peso. Veja a lista completa de signatários aqui. Você pode baixar o documento “A Reforma Acabou? Uma Declaração de Convicções Evangélicas” em Português, Inglês, Italiano, Eslovaco e Espanhol.

Leia o manifesto abaixo:

A REFORMA ACABOU? 
Uma Declaração de Convicções Evangélicas

        Às vésperas do quingentésimo aniversário da Reforma Protestante, cristãos evangélicos de todo o mundo têm a oportunidade de refletir novamente sobre o legado da Reforma tanto na igreja global de Jesus Cristo como no desenvolvimento do trabalho evangelístico. Após séculos de controvérsias e tensões entre evangélicos e católicos, a cordialidade ecumênica de tempos recentes criou condições propícias para que líderes de ambos os lados afirmassem que a Reforma está em seus momentos finais e que as principais discordâncias teológicas que levaram à ruptura do cristianismo ocidental no século 16 já estão resolvidas.

Por que alguns afirmam que a Reforma acabou?

         Em apoio à ideia de que a Reforma acabou, são geralmente citadas duas razões principais:

1) Os desafios para os cristãos em todo o mundo (como, por exemplo, o secularismo e o Islã) são tão atemorizantes que protestantes e católicos não podem mais se dar ao luxo de permanecer divididos. Um testemunho unificado, talvez com o Papa como porta-voz, beneficiaria grandemente o cristianismo global.

2) As divisões teológicas históricas (por exemplo, a salvação somente por meio da fé, a autoridade última da Bíblia, a primazia do bispo de Roma) são consideradas questões de diferença legítimas em termos de ênfase, mas não são pontos críticos de divisão e contraste que impeçam a unidade.

        A força cumulativa desses argumentos tem amenizado a compreensão e a avaliação de alguns evangélicos acerca da Igreja Católica Romana.

       É também importante notar que, no último século, o evangelicalismo global tem crescido em uma velocidade avassaladora, enquanto o mesmo não ocorre no catolicismo romano. O fato de milhões de católicos tornarem-se evangélicos nos últimos anos não passou despercebido por líderes católicos romanos, que buscam responder a essa perda de fiéis de maneira estratégica: adotando uma linguagem evangélica tradicional (conversão, evangelho, missão, misericórdia) e estabelecendo diálogos ecumênicos com igrejas que outrora condenaram. Onde antes havia perseguição e animosidade, agora há relacionamentos e diálogos mais amistosos entre católicos e protestantes. A questão, porém, permanece: as diferenças fundamentais entre católicos e protestantes ou evangélicos desapareceram?

A Reforma acabou?

        A Reforma Protestante, em todas as suas variantes e por vezes tendências conflitantes, foi, em última instância, um chamado para 

(1) resgatar a autoridade da Bíblia sobre a igreja e;
(2) reconhecer novamente o fato de que a salvação chega até nós somente por meio da fé.

      Há cinco séculos, o catolicismo romano é um sistema religioso que não é baseado exclusivamente na Escritura. De acordo com a perspectiva católica, a Bíblia é apenas uma fonte de autoridade: não se mantém autônoma, nem é a fonte mais importante. De acordo com esta visão, a tradição precede a Bíblia, é maior do que a Bíblia e não é revelada somente pela Escritura, mas através do ensino contínuo da Igreja e de sua agenda atual, de acordo com os tempos. Uma vez que a Escritura não tem a última palavra, a doutrina e a prática católicas permanecem indeterminadas e, portanto, confusas em sua própria essência.

       A promulgação de três dogmas (ou seja, crenças obrigatórias) sem qualquer base bíblica ilustra perfeitamente o método teológico do catolicismo romano. São eles: o dogma da imaculada conceição de Maria, de 1854; o dogma da infalibilidade papal, de 1870; e o dogma da assunção corpórea de Maria, de 1950. Esses dogmas não representam o ensinamento bíblico e, na verdade, claramente os contradizem. No sistema católico, isso não importa, pois não depende da autoridade exclusiva da Escritura. Talvez sejam necessários dois milênios para se formular um novo dogma, mas, tendo em vista que a Escritura não detém a última palavra, a Igreja Católica pode eventualmente adotar tais inovações.

        Quanto à doutrina da salvação, muitos têm a impressão de que há uma convergência crescente no que diz respeito à justificação pela fé e que as tensões entre católicos e evangélicos têm diminuído consideravelmente desde o século 16. No Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja Católica reagiu fortemente contra a Reforma Protestante ao declarar “anátema” (amaldiçoados) aqueles que defendessem a justificação somente pela fé, ao mesmo tempo em que afirmou o ensino de que a salvação é um processo de cooperação com infusão da graça, ao invés de ser um ato alicerçado exclusivamente na graça e na fé.

        Alguns argumentam que a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, assinada pela Igreja Católica Romana e a Federação Mundial Luterana em 1999, uniu a ambos os lados. Conquanto o documento favoreça, por vezes, uma tendência mais bíblica no entendimento da justificação, explicitamente afirma a visão de justificação do Concílio de Trento. A condenação sobre convicções protestantes e/ou evangélicas históricas permanece; apenas não se aplica àqueles que afirmam a desfocada posição da Declaração Conjunta.

        Assim como em Trento, na Declaração Conjunta a justificação é um processo representado pelo sacramento da Igreja (o batismo); ela não é recebida exclusivamente pela fé. É uma jornada que requer colaboração do fiel e uma participação contínua no sistema sacramental. Não há qualquer entendimento de que a justiça de Deus é imputada por Cristo ao crente; logo, não há qualquer segurança de salvação. Além disso, a visão da Igreja Católica Romana é revelada por seu uso contínuo de indulgências (ou seja, a remissão da punição temporal por pecado atribuído pela Igreja em ocasiões especiais). Foi a teologia das indulgências que desencadeou a Reforma, mas esse sistema tem sido invocado recentemente pelo Papa Francisco no Ano da Misericórdia (2015-2016). Isto mostra que, para a Igreja Católica Romana, a visão básica da salvação – que depende da mediação da Igreja, da distribuição de graça por meio dos sacramentos, da intercessão dos santos e do purgatório – permanece a mesma após a elaboração da Declaração Conjunta.

Perspectivas

       O que dissemos sobre a Igreja Católica Romana como realidade doutrinal e institucional não é necessariamente verdadeiro para indivíduos católicos. A graça de Deus está trabalhando em homens e mulheres que se arrependem e confiam somente em Deus e que respondem ao seu evangelho, vivendo como discípulos cristãos que buscam conhecer a Cristo e fazê-lo conhecido. Entretanto, por conta de suas afirmações dogmáticas flutuantes e de sua estrutura política complexa e diplomática, a instituição Igreja Católica deve ser examinada com muito mais cautela e prudência. Iniciativas atuais para renovar aspectos da vida e adoração católicas (como, por exemplo, a acessibilidade à Bíblia, a renovação litúrgica, o papel crescente dos leigos e o Movimento Carismático) não indicam, por si mesmas, que a Igreja Católica Romana esteja compromissada com uma reforma substanciosa em consonância com a Palavra de Deus.

        Em nosso mundo globalizado, encorajamos a cooperação entre evangélicos e católicos em áreas de preocupação comum, tais como a proteção da vida e a promoção da liberdade religiosa. Essa cooperação se estende a pessoas de outras orientações religiosas e ideológicas. Em pontos onde valores comuns estão em jogo – questões éticas, sociais, culturais e políticas –, os esforços colaborativos devem ser encorajados. Todavia, quando se trata de cumprir a tarefa missionária de proclamar e viver o evangelho de Jesus Cristo em todo o mundo, os evangélicos devem ser cautelosos, mantendo padrões bíblicos claros ao formar plataformas e coalizões. A posição que articulamos aqui é um reflexo de convicções evangélicas históricas, junto a uma paixão pela unidade entre crentes em Jesus Cristo de acordo com a verdade do evangelho[1]. As questões que suscitaram a Reforma 500 anos atrás ainda estão muito presentes no século 21 em toda a igreja. Enquanto acolhemos de bom grado toda oportunidade para esclarecê-las, nós evangélicos afirmamos, juntamente com os reformadores, as convicções fundamentais de que nossa autoridade final é a Bíblia e que somos salvos somente por meio da fé.


Traduzido por Jonathan Silveira no Teologia Brasileira


----------------------------------------------------------------

[1] Essas convicções fundamentais são expressas em papers oficiais de duas organizações evangélicas mundiais: Fraternidade Evangélica Mundial e Movimento Lausanne. Após abordar temas como mariologia, autoridade na igreja, o papado e a infalibilidade, justificação pela fé, sacramentos e a Eucaristia, e a missão da igreja, este foi o pronunciamento da Fraternidade Evangélica Mundial: “A cooperação na missão entre evangélicos e católicos está seriamente impedida por conta de obstáculos ‘insuperáveis’” (Fraternidade Evangélica Mundial, Evangelical Perspective on Roman Catholicism (1986) in Paul G. Schrotenboer (ed.), Roman Catholicism. A Contemporary Evangelical Perspective (Grand Rapids: Baker Book House 1987) p. 93). A mesma visão é refletida no documento de Lausanne intitulado Occasional Paper on Christian Witness to Nominal Christians among Roman Catholics, de 1980, bem como em uma declaração de John Stott, principal autor do Pacto de Lausanne: “Estamos dispostos a cooperar com eles (católicos romanos, ortodoxos ou protestantes liberais) em boas obras de compaixão cristã e justiça social. É no momento em que somos convidados a evangelizar com eles que nos vemos em um duro dilema, pois o testemunho comum necessita de uma fé comum e a cooperação no evangelismo depende de concordância sobre o conteúdo do evangelho” (Lausanne Committee for World Evangelization. “Lausanne Occasional Paper 10 on Christian Witness to Nominal Christians among Roman Catholics” (Pattaya, Thailand, 1980); John Stott, Make the Truth Known. Maintaining the Evangelical Faith Today (Leicester, UK: UCCF Booklets, 1983) p. 3-4.).

***

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Martinho Lutero e a Reforma Protestante

       Martinho Lutero nasceu a 10 de novembro de 1483 no centro da Alemanha, em Eisleben, Turíngia/Alemanha. Seus pais, João e Margarida, eram pobres. João era mineiro e lenhador, porém não iletrado, de modo que puderam dar-lhe boa orientação educacional. Visando a melhorar a vida econômica, fixaram residência, em 1484, em Mansfeld, onde Martinho iniciou seus estudos. Terminando o curso da escola daquela localidade, então com 14 anos, deixou a casa paterna e ingressou na escola superior de Magdeburgo. Depois de um ano ali, teve que retornar à casa paterna acometido de grave enfermidade, indo por esta razão, no ano seguinte, estudar em Eisenach. Três anos cursou o colégio de Eisenach. Em 1501 ingressava na Universidade de Erfurt, cidade conhecida como "Roma Alemã" pelo número de suas igrejas e mosteiros. Obteve ali os graus de Bacharel (1502) e Mestre em Arte (1505). No mesmo ano ingressou no curso de Direito.

       Este, porém, foi interrompido visto que, a 02 de julho de 1505, regressando da casa paterna, teve sua vida seriamente ameaçada por uma tempestade que, por pouco, lhe tirara a vida. Fez, nesta oportunidade, um voto a Sant’ana que, se lhe fosse dado viver, ingressaria no mosteiro para tornar-se monge. No dia 17 de julho de 1505 as portas do convento da Ordem dos Agostinhos fechavam-se atrás dele.

Sacerdote

   Em fevereiro de 1507 foi ordenado sacerdote. Vivia, no entanto, em completo desespero, buscando, dias e noites a fio, em tremendos tormentos espirituais, resposta à pergunta: "De que maneira conseguirei um Deus misericordioso?" Reconheceu muito logo que jamais seria possível obter certeza de sua salvação mediante boas obras, pela impossibilidade de saber se são suficientes, mormente em se tratando de uma alma de consciência extremamente sensível.

Professor

     Por indicação do vigário da ordem, João de Staupitz, que reconhecia em Lutero uma erudição e inteligência incomuns, Lutero foi designado professor na Universidade de Wittenberg, fundada em 1502 por Frederico, o Sábio, duque da Saxônia e presidente dos sete eleitores civis que, juntamente com sete autoridades religiosas, elegiam o imperador do Sacro Império-Romano da Nação Alemã. Ocupou ali a cadeira de Teologia. Continuou também seus estudos, instruindo-se principalmente nas línguas gregas e hebraica. A 09 de março de 1509 obteve o grau de Baccalaureus Biblicus.

Viagem a Roma

    Em 1511, então com 28 anos, foi enviado em missão diplomática a Roma, para solucionar uma divergência entre sete conventos de sua Ordem e o vigário geral da mesma. A corrupção, imoralidade, as zombarias, o desrespeito do clero e da cúpula da igreja para com as coisas sagradas marcaram nele uma profunda decepção. Embora profundamente entristecido, as esmagadoras desilusões sofridas não o levaram a descrer de sua igreja.

Doutor em Teologia

      Em outubro de 1512, recebia, das mãos do decano da faculdade de Teologia, o grau de Doutor em Teologia. Assumiu, a seguir, a cadeira de Lectura in Bíblia lecionando, à base das línguas originais, o hebraico do Antigo Testamento e o grego do Novo Testamento, incorporando conquistas do humanismo na ciência da interpretação de textos. Ainda em 1512, foi eleito subprior do convento de Wittenberg. Em maio de 1515 foi designado vigário do distrito, que compreendia onze conventos sob sua orientação e autoridade.

Preleções

      As suas preleções eram tão concorridas que a elas acorriam estudantes de todas as partes e países vizinhos. Os professores assistentes também aumentavam. O reitor da Universidade chegou a declarar, como que em antevisão: "Este frade derrotará todos os doutores; introduzirá uma nova doutrina e reformará toda a igreja; pois ele se funda sobre a palavra de Cristo, e ninguém no mundo pode combater nem destruir esta Palavra..." (Melchior, Adam. Vita Lutheri, p. 104). Ocupando o púlpito, a capela logo não mais podia comportar os assistentes. O senado o convidou então a ocupar a igreja paroquial da cidade.

Justificação pela fé

       Nos seus conflitos espirituais, o texto bíblico que lhe trouxe a luz da verdade e a paz de consciência veio a ser a célebre passagem da Epístola aos Romanos (1.17), em que o apóstolo cita o profeta Habacuque: "0 justo viverá por fé" .Viu que São Paulo fazia do sacrifício de Cristo o centro da verdade em religião. Seus pecados, angústias, sofrimentos haviam caído sobre os ombros de Cristo na cruz; Cristo fizera o que ao pecador teria sido impossível fazer com suas penitências e méritos pessoais.

As Teses

     Em 1517, Lutero quis provocar um debate público sobre a venda de indulgências promovidas pelo Papa Leão X e o arcebispo Alberto de Mogúncia através da Ordem dos Dominicanos. Quando pregou à porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517, o pergaminho com as 95 teses em latim para serem debatidas entre os acadêmicos, conforme o costume da época, não desejava desencadear um movimento na história da igreja. Era o pároco que, com preocupado, via como as almas dos fiéis eram desnorteadas por um grande escândalo, descaradamente apregoado em nome da santa Igreja: a venda do perdão de Deus, como se fosse mercadoria, por meio de cartas de indulgência, cujo lucro se destinava ao término da basílica de São Pedro e à cruzada contra os turcos. Seu principal proclamador era o dominicano Tetzel. Eis algumas das teses apresentadas por Lutero:  

Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... etc., pretendia falar da vida interior do cristão que deveria ser um contínuo e ininterrupto arrependimento (Tese I)

Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair na caixa a alma se vai do purgatório (Tese 27)

Todo o cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados e sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indigência (Tese 36)

Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências e o próprio papa oferecessem sua alma como garantia (Tese 52) 

     As proposições sobre as indulgências eram completadas por algumas outras, que continham o que viria a ser fundamental na doutrina luterana: Aos olhos de Deus, não há na criatura senão concupiscências; ninguém se salva senão pela graça de Deus através da fé. O efeito dessas teses foi tão inesperado, que elas não ficaram entre os letrados; traduzidas ao alemão, em poucas semanas se espalharam por toda a Alemanha e outras partes da Europa, chegando ao conhecimento do povo em geral.

Reação de Roma

      Em 1518, Roma tratou de liquidar o caso do monge de Wittenberg. Lutero foi chamado para responder um processo em Roma, dentro de sessenta dias. Mas, por interferência de Frederico, o Sábio, Príncipe da Saxônia, o Papa consentiu que a questão fosse tratada em Augsburgo, pelo Cardeal Cajetano. Este exigia simplesmente que Lutero se retratasse, o que este, naturalmente, não fez. Tinha Lutero nessa época o apoio da Ordem dos Agostinhos e do corpo docente da Universidade de Wittenberg. Cajetano declararia depois dos três encontros com Lutero: "Ele tem olhos que brilham, e raciocínio que esconcertam".

      O Papa temia suscitar oposição cerrada entre os príncipes alemães. Valeu-se, para que isso não acontecesse, da diplomacia. Condecorou o protetor de Lutero, Frederico, o Sábio, com a "Ordem da Rosa Áurea da Virtude" para afastá-lo de Lutero, e enviou o conselheiro Karl von Miltitz. Este conseguiu, com brandura, que Lutero escrevesse uma carta ao papa, declarando sua fiel submissão; mas reafirmou, também, sua doutrina da justificação pela fé somente, sem os méritos de obras. Expôs e defendeu sua posição num debate com o Dr. João Eck em Leipzig. O que precipitou o rumo das coisas foi sua declaração de que nem todas as doutrinas de João Huss (queimado como herege em Constança, em 1415) eram falsas, e que os concílios são passíveis de erros em suas decisões. Isto o colocou à margem da igreja papal, que se fundamentava sobre a infalibilidade do papa e dos concílios.

Primeiros Escritos

     Em 1520 escreveu três livros fundamentais mostrando o antagonismo do sistema de salvação papal e o ensino bíblico: "À Sua Majestade Imperial e à Nobreza Cristã sobre a Renovação da Vida Cristã", "Sobre a Escravidão Babilônica da Igreja" e "Da Liberdade Cristã". Alguns de seus pensamentos-chave aí registrados são estes: "O cristão é um livre senhor sobre todas as coisas e não submisso a ninguém - pela fé"; "o cristão é servidor de todas as coisas e submisso a todos - pelo amor". "Não fazem as boas obras um bom cristão, mas um bom cristão faz boas obras".

Excomunhão

     A resposta do Papa foi a bula de excomunhão Exsurge Domine. Tinha ainda 60 dias para retratar-se do que havia escrito e ensinado. Em 03 de janeiro de 1521 esgotou-se o prazo dado na bula, sendo então proferido o anátema definitivo, pela bula Decet Romanum Pontificem.

Dieta de Worms

     Em 1521 reunia-se a primeira Dieta ou Assembléia do império, presidida pelo jovem imperador Carlos V, eleito em 1520, em sucessão a Maximiliano, para dirigir o reino "em que o sol não se punha". Lutero, intimado, compareceu diante da assembléia em 17 de abril de 1521. Perguntado se renunciava ao que tinha escrito, respondeu: "Não posso, nem quero retratar-me, a menos que seja convencido do erro por meio da palavra bíblica ou por outros argumentos claros. Aqui estou; não posso de outra maneira! Que Deus me ajude. Amém".

Tradução do Novo Testamento

     Proscrito pelo imperador, foi posto em segurança pelo duque Frederico, através de um sequestro simulado de cavaleiros embuçados, durante sua viagem de retomo, e escondido no Castelo de Wartburgo, nas proximidades de Eisenach. Sua principal realização nesse período foi a tradução do Novo Testamento grego para um alemão fluente de grande aceitação popular. Os primeiros 5 mil exemplares esgotaram-se em 3 meses. Em cerca de dez anos houve 58 edições. Em 1522, com risco de vida, reassumiu as funções de professor em Wittenberg. Juntamente com Felipe Melanchthon (cognominado Praeceptor Germaniae - educador da Alemanha), seu grande amigo e colaborador, instruiu centenas de estudantes alemães, boêmios, poloneses, finlandeses, escandinavos.

Guerra dos Camponeses

     Marcou o ano de 1525 a Guerra dos Camponeses, uma revolução armada em que os camponeses, sob federação, reivindicaram mais liberdade aos latifundiários. Em seus objetivos políticos sociais idealizaram Martinho Lutero como chefe. Confundiram reivindicações políticas com aspirações religiosas. Lutero, embora compreendendo suas necessidades, viu-se forçado a distanciar-se do movimento porque não era política a missão dele. A carnificina, com batalha final em Frankenhausen, trouxe prejuízos ao movimento da Reforma. Mas esta, a despeito de todos os abusos praticados em seu nome, se expandia. Lutero procurava consolidar as igrejas e escolas que haviam aderido à Reforma em território alemão e países vizinhos. Neste mesmo ano (1525) casou-se com uma ex-freira, Catarina de Bora, de cujo casamento lhes nasceram 6 filhos.

Culto e Liturgia

      De 1527 a 1529 esteve empenhado na organização da Igreja Evangélica. Compositor e poeta, compôs trinta e sete hinos. Cabe-lhe a celebridade de popularizar o Lied eclesiástico. Era também conhecido como o "Rouxinol de Wittenberg". Traduziu a ordem da missa para o alemão - Deutsche Messe 1526 - a partir do que os cultos passaram a ser celebrados na língua do povo, e não no latim que ninguém entendia.

Os dois Catecismos

     Em 1529 redigiu dois manuais de instrução, até hoje em uso nas igrejas luteranas: "Catecismo Menor" e "Catecismo Maior". Os dois volumes apresentam, em seis partes, um sumário da doutrina cristã. O primeiro é escrito, especialmente, para as crianças; o segundo, para os pais. Justificando, o Reformador afirma: "A lamentável e mísera necessidade experimentada recentemente, quando também fui visitador, é que me obrigou e impulsionou a preparar este Catecismo ou doutrina cristã nesta forma breve, simples e singela. Meu Deus, quanta miséria não vi! O homem comum simplesmente não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias". Numa outra oportunidade afirma: "Eu também sou doutor e pregador, e, na verdade, tenho de continuar diariamente a ler e estudar, e ainda assim não me saio como quisera, e devo permanecer criança e aluno do Catecismo".

Somente a Escritura

     No mesmo ano realizou-se, no mês de outubro, um encontro entre Ulrico Zwínglio e Lutero para um debate doutrinário, denominado Colóquio de Marburgo, uma controvérsia eucarística. O pregador Zwínglio, que vivia na Suíça, também reconhecera a apostasia da igreja romana, pregando a Palavra e testemunhando contra as indulgências. Diferia, no entanto, da doutrina de Lutero e a discrepância básica resumia-se na pergunta: Os artigos de fé devem basear-se exclusivamente na Palavra de Deus ou também na razão humana? Não chegaram a um acordo, visto que a resposta de Lutero não admitia dúvida: A Escritura, e nada além dela, é fonte de artigos de fé, como também, mais tarde, a Fórmula de Concórdia o expressa: "Cremos, ensinamos e confessamos que somente os escritos proféticos e apostólicos do Antigo e do Novo Testamento são a única regra e norma segundo a qual devem ser ajuizadas e julgadas igualmente todas as doutrinas e todos os mestres".

Confissão de Augsburgo

     Auxiliou o duque João Frederico a delinear sua estratégia em relação à Dieta de Augsburgo (153O), convocada Pelo imperador para superar o cisma. Acompanhou a redação, por Felipe Melanchthon, duma defesa oficial, que veio a chamar-se Confissão de Augsburgo. O documento, a primeira e mais notável das confissões evangélicas, foi lido em público à assembléia imperial, em nome de príncipes e cidades partidárias da Reforma, a 25 de junho de 1530. Era Composto o documento de duas partes: uma, dogmática; outra, apologética. Argumentavam na Confissão que, quanto à doutrina, continuavam fiéis ao que a igreja vinha ensinando à base das Escrituras Sagradas, conforme os Credos Apostólico e Niceno; com respeito ao culto, mantinham os ritos antigos consentâneos ao evangelho, cancelando apenas aqueles costumes, ritos e cerimônias que obscureciam a glória de Jesus Cristo como o único Mediador entre Deus e os homens. Reivindicaram, por conseguinte, o direito de conviver em Paz com o papa e os bispos no seio da igreja do império. O imperador, ouvida a Confissão, determinou que os teólogos de Roma elaborassem a Confutação Católica à confissão de Augsburgo. A 03 de agosto fez-se a leitura desta. Não terminava ainda a apresentação de confissões religiosas, e Lutero e Melanchthon responderam à Confutação com a Apologia da Confissão de Augsburgo, de alto valor teológico, mas da qual a Dieta não quis tomar conhecimento. 

       A Dieta lhes concedeu o prazo até 15 de abril de 1531 para voltarem ao seio da igreja romana e exigiu rigoroso cumprimento do Édito de Worms. Embora desaconselhados por Lutero, constituiu-se em fevereiro de 1531 uma poderosa agremiação política dos príncipes luteranos, denominada "Liga de Esmalcalde". Porém, em vista do perigo dos turcos às portas do império, em Viena, o imperador dependia do auxilio militar dos príncipes evangélicos; por isso, pela Paz de Nüremberg, para a qual Lutero muito contribuiu, em 1532, permitiu aos adeptos da Confissão de Augsburgo a persistirem nas suas doutrinas e concedia-lhes ainda outros privilégios. Essa tolerância seria dada até a realização de um concílio da igreja.

Tradução do Antigo Testamento

     Não houve, assim, apesar dos esforços, uma maneira de restabelecer a unidade na igreja e no império. Em 1534 Lutero terminava uma tarefa em que havia trabalhado mais de 10 anos: a tradução do Antigo Testamento para o alemão. No mesmo ano pode-se publicar, então, a Bíblia completa. Em 1536 Lutero redigiu, por solicitação do duque João da Saxônia, artigos para serem apresentados num "Concilio geral livre" convocado pelo Papa. Os Artigos de Esmalcalde, porém, não chegaram a ser apresentados. Os líderes evangélicos concluíram que o concilio não seria livre e se negaram a participar do Concílio de Trento (1545 - 1563), que desencadeou a contra-reforma, no pontificado de Paulo III.

Paz de Augsburgo

      A Paz de Augsburgo, em 1555, atendeu, de certa forma, aos reclames dos evangélicos. Substituiu a tolerância religiosa nestes termos: os príncipes e cidadãos do império respeitariam a filiaçao religiosa de cada um, e o povo teria a opção de adotar a confissão religiosa do respectivo domínio ou de emigrar a território que tivesse a confissão desejada. Martinho Lutero faleceu aos 62 anos de idade, em 18 de fevereiro de 1546, em sua cidade natal, Eisleben, depois de solucionar um litígio entre os condes de Mansfeld. Com grande cortejo fúnebre e ao som de todos os sinos, Lutero foi sepultado sob as lajes da igreja do Castelo de Wittenberg, onde sempre pregava o evangelho.

Contra-Reforma

     A Contra-reforma, liderada pela ordem dos jesuítas, reconquistou vários territórios que tinham aderido à Reforma. Não obstante, a doutrina, o culto e a piedade preconizados por Lutero se enraizaram na Alemanha, nos países bálticos, nos países escandinavos e na Finlândia. Através doutros reformadores, foram acolhidos na França, Inglaterra, Escócia e Países Baixos. Em todos estes países, a Reforma ocasionou extraordinário desenvolvimento cultural, notadamente na educação, ciência, economia e política. Pela emigração, os "Luteranos" se espalharam por todos os continentes. Contam, hoje, cerca de 70 milhões. Frade, sacerdote, professor, doutor em Teologia, pregador considerado o primeiro de seu tempo, escritor vigoroso e de grande riqueza lexicográfica, fixador da língua alemã, poeta e músico, Lutero abalou o mundo de seus dias e sobre ele se tem pronunciado o juízo dos séculos.

Pronunciamentos sobre Lutero

     O historiador Schaff diz que "este foi o maior homem que a Alemanha produziu e um dos maiores vultos da história". Goethe dá o seu testemunho nestes termos: 'Dificilmente compreendemos o que devemos a Lutero e à Reforma em geral. Ficamos livres dos grilhões da estreiteza espiritual (... ) compreendemos o cristianismo em sua pureza". Heinrich Heine, o poeta excelso, exclama: "Honra a Lutero, a quem devemos a reconquista dos nossos direitos mais sagrados, e de cujos benefícios vivemos hoje em dia. Através de Lutero adquirimos a liberdade religiosa. Criou a palavra para o pensamento. Criou a língua alemã, através da tradução da Bíblia". Dollinger, historiador católico liberal, diz: "Lutero deu aos alemães o que nenhum outro jamais dera a seu povo: a língua, a Bíblia, a hinologia..." É reconhecido como "pai da alfabetização". Dirigiu-se aos pais através de profusas publicações, encarecendo-lhe a escola e a educação dos filhos como necessidade inadiável, para a pátria e a igreja verem melhores dias. Um escritor moderno declarou: "A Lutero deve a Alemanha seu esplendido sistema educacional - em suas origens e concepções. Porque ele foi o primeiro a reclamar uma educação universal, uma educação do povo todo, sem consideração de classe"

     Deixou à posteridade, em sua fecundidade literária, dezenas de volumes contendo obras doutrinárias, apologéticas, exegéticas, homiléticas, pastorais e pedagógicas. Frantz Funck Brentano, célebre historiador contemporâneo assim se expressa: "Qualquer que seja o julgamento formulado em torno da doutrina religiosa de Martinho Lutero, é preciso reconhecer nele uma das mais poderosas personalidades que o mundo conheceu. Sua energia, seu valor, sua poderosa ação, que decorriam em grande parte da intensidade de suas convicções, estão acima de todo elogio. Calculou-se que seriam precisos a um homem dez anos de vida para simples cópia das cartas, orações e inumeráveis escritos do reformador e, Lutero não só redigiu suas obras, mas pensou-as, deu-lhes estudo e reflexões, corrigiu-as, e isso entre ocupações múltiplas, quase sempre absorventes e das mais diversas, suas prédicas, sua atividade social e política, os cuidados e o tempo que consagrou aos antigos e à família" (Martim Lutero, pág. 22, Ed Veccki). Dezenas de testemunhos dessa natureza poder-se-ia acrescentar à sua pessoa. Os exemplos citados, porém, exemplificam o veredito sobre sua pessoa e a obra deixada até os nossos dias atesta a sua grandiosidade.



Nota do Blog:

Esse é um resumo da vida de um homem que Deus levantou para trazer um avivamento no séc. XVI, para restaurar os pilares da fé apostólica fragilizados por anos de trevas espirituais e dogmas que deturpavam a verdadeira Palavra de Deus. Que hoje, principalmente nessa data, possamos reavaliar a nossa conduta de cristãos e valorizar o que homens da estirpe de Lutero, Huss, Wycliffe, Calvino, entre outros fizeram em defesa do Evangelho do Nosso Senhor Jesus Cristo. Que essa atitude de coragem, nos fortaleça e nos impulsione cada dia mais à batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos. (Jd. 1.3) e lutar contra as heresias do nosso tempo e contra os mercadores da fé, que tentam ressuscitar doutrinas já combatidas pelos santos homens de Deus. 

Soli Deo Gloria.

Prof. Saulo Nogueira

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O Yom Kipur e a lambança Teológica de Agenor Duque

Celebração do dia do perdão
       O Yom Kippur (yom hakkippurim) ou Dia da Expiação é uma festa anual apresentado em Levítico 16; 23.26-32 como o ato supremo da expiação nacional pelo pecado do povo:

“Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Mas aos dez dias desse sétimo mês será o dia da expiação; tereis santa convocação, e afligireis as vossas almas; e oferecereis oferta queimada ao Senhor. E naquele mesmo dia nenhum trabalho fareis, porque é o dia da expiação, para fazer expiação por vós perante o Senhor vosso Deus. Porque toda a alma, que naquele mesmo dia se não afligir, será extirpada do seu povo. Também toda a alma, que naquele mesmo dia fizer algum trabalho, eu a destruirei do meio do seu povo. Nenhum trabalho fareis; estatuto perpétuo é pelas vossas gerações em todas as vossas habitações. Sábado de descanso vos será; então afligireis as vossas almas; aos nove do mês à tarde, de uma tarde a outra tarde, celebrareis o vosso sábado”. (Levítico 23:26-32) (NVI)

       Ocorria no dia 10 do sétimo mês, Tisri, marcado por um período de profunda análise da alma, e aponta para a tristeza e o arrependimento de Israel na segunda vinda de Cristo (Lv 23.29; Nm 29.7; Zc 12.10ss.; 13.6; Mt 25.30; Ap 1.7). Além das ofertas diárias regulares, deveriam ser oferecidos um bezerro, um carneiro e sete cordeiros, uma oferta de manjares de flor de farinha misturada com azeite e um bode, para expiação do pecado (Nm 29.7-11). O jejum era ordenado desde o entardecer do dia 9 até o entardecer do dia 10, acompanhando a santidade incomum deste dia. Neste dia era feita uma expiação pelo povo, pelo sacerdócio e pela tenda da congregação, porque esta morava “com eles no meio das suas imundícias” (Lv 16.16).

O ritual


       Este era dividido em dois atos, um desempenhado em favor do sacerdócio, e um em favor da nação de Israel. O sumo sacerdote, que havia se mudado uma semana antes desse dia de sua própria habitação para o santuário, apresentava-se no Dia da Expiação e, tendo se banhado e posto de lado o seu traje normal de sumo sacerdote, vestia-se com uma roupa de linho branco sagrada. Essas roupas não tinham nenhum dos ornamentos das peças usadas normalmente pelo sumo sacerdote e incluíam apenas os calções, a túnica, o cinto e a mitra, e todas eram feitas com linho branco. Essa variação no vestuário representava a extraordinária solenidade e a importância dessa cerimônia de expiação. A simplicidade e a brancura das vestes, assim como seu uso apenas durante essa cerimônia, indicavam a pureza e a santidade necessárias para entrar no Santo dos Santos ou no Lugar Santíssimo, onde Deus habitava entre os querubins.

       O sacerdote apresentava um novilho como uma oferta pelo pecado, por si mesmo e pela sua casa. Os outros sacerdotes, que em outras ocasiões serviam no santuário, neste dia tomavam seus lugares com a congregação pecadora por quem a expiação deveria ser feita (Lv 16.17). O sumo sacerdote matava a oferta pelo pecado por si mesmo e entrava no Santo dos Santos com um incensário, para que uma nuvem de incenso pudesse encher o ambiente e cobrir a arca para que ele não morresse. Então ele voltava com o sangue da oferta pelo pecado e o aspergia sobre a frente do propiciatório, e sete vezes diante do propiciatório para a purificação simbólica do Santo dos Santos, contaminado por estar presente entre o povo pecador. Tendo feito a expiação por si mesmo, ele retornava ao pátio do santuário. Em seguida, o sumo sacerdote apresentava os dois bodes, que haviam sido trazidos como a oferta pelo pecado do povo, ao Senhor, à porta do Tabernáculo e lançava sortes sobre eles, sendo que um era destinado a Jeová e o outro a Azazel (ou bode emissário). O bode sobre o qual a sorte havia caído era morto para o Senhor, e o sumo sacerdote repetia o ritual de espargir o sangue como antes. Além disso, ele purificava o lugar santo espargindo o sangue sete vezes, e, no final, purificava o altar de ofertas queimadas.

               Deve ser observado que o sistema sacrificial hebraico tinha a intenção de cuidar principalmente dos pecados por acidente, inadvertência, profanação cerimonial e assim por diante, e nenhuma expiação era providenciada para as transgressões cometidas em um espírito de absoluta obstinação contra o caráter da aliança (Nm 15.30). Nesse dia é proibido comer ou beber, banhar-se, usar sandálias ou deliciar-se na relação sexual. Quando o dia caía em um sábado, a obrigação do jejum assumia precedência sobre a maneira normal da observância do Sábado. (M. Menahott 11.9).

       Esse cenário forma a base para a presença do sangue de Cristo no NT. O derramamento do sangue de Jesus na cruz encerrou sua vida terrena, pois Ele, voluntariamente, ofereceu-se para morrer em nosso lugar, como o Cordeiro de Deus que foi assassinado para nos redimir (1 Pe 1.18-20; Ap 5.6,9,12); e a aspersão desse sangue trouxe o perdão de todos os pecados dos homens (Rm 3.25). Seguindo o padrão do Dia da Expiação dos judeus (Lv 16), Cristo é o nosso sacrifício expiatório (Hb 9.11-14; 1 Jo 2.2; Ap 1.5) e também a nossa oferta pelo pecado (1 Pe 1.18,19; Ap 5.9). Assim como Moisés selou o pacto entre Deus e a antiga nação de Israel, no Sinai, com a aspersão de sangue (Êx 24.8; cf. Hb 9.19-21), também o novo pacto de Jeremias (31.31-34) foi selado pelo sangue de Cristo (Hb 9.14,15; 10.14-19,29; 13.20). Ao instituir a Ceia do Senhor, Jesus falou do cálice como “o Novo Testamento ou aliança” no seu próprio sangue (1 Co 11.25; Lc 22.20; cf, Mc 14.24).


Como os Judeus veem essa questão? 


A transcrição abaixo, foi retirada de um site judaico e mostra a relação do Judaísmo com esse ritual:


“(...) Mas como Yom Kipur consegue isto? A expiação não é meramente a remissão da punição pelo pecado; significa também que a alma de um judeu é purificada das máculas causadas pelo pecado. Além disso, não apenas nenhuma impressão das transgressões permanece, como as transgressões são transformadas em méritos. Que isto possa ser atingido através de teshuvá é compreensível; um judeu sente genuíno remorso pelas falhas cometidas erradicando o prazer que extraiu dos pecados. Sua alma é então purificada. O próprio pecado deve ser visualizado como uma contribuição ao processo de teshuvá.(grifo meu)

        Como está claro, para aqueles que não aceitam o sacrifício do Nosso Senhor Jesus Cristo, o Dia da Expiação é extremamente importante para que eles (dentro da visão judaica), recebam o perdão dos seus pecados. Essa é a forma que os judeus fazem. Eles não aceitam o sacrifício perfeito de Jesus. Então eles precisam repetir anualmente uma cerimônia que prefigurava o sacrifício único do Messias. Dentro de um contexto sem Jesus, é até compreensível que se faça isso! 

       Mas, o sacrifício de Jesus foi suficiente ou é necessário, que nós cristãos, façamos algum ritual para corroborar ou até mesmo substituir esse sacrifício? Seria correto os cristãos observarem esse ritual, visto de que aceitamos o sacrifício de Jesus, o Cristo? Para respondermos à essas questões usaremos o livro de Hebreus, que trata exaustivamente de algumas questões relacionadas aos rituais do povo de Israel e especificamente acerca do sacrifício. Vejamos:
“Estando tudo assim preparado, os sacerdotes entravam regularmente no Lugar Santo do tabernáculo, para exercer o seu ministério. No entanto, somente o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos, apenas uma vez por ano, e nunca sem apresentar o sangue do sacrifício, que ele oferecia por si mesmo e pelos pecados que o povo havia cometido por ignorância. Dessa forma, o Espírito Santo estava mostrando que ainda não havia sido manifestado o caminho para o Santo dos Santos enquanto ainda permanecia o primeiro tabernáculo. ” (Hebreus 9:6-8) (grifo meu)
        Aqui, o autor de Hebreus relembra seus leitores de como era realizado o sacrifício pelo Sumo sacerdote, dentro do contexto da Antiga Aliança e sua relevância para o perdão do povo de Israel. O autor continua:
“Isso é uma ilustração para os nossos dias, indicando que as ofertas e os sacrifícios oferecidos não podiam dar ao adorador uma consciência perfeitamente limpa. Eram apenas prescrições que tratavam de comida e bebida e de várias cerimônias de purificação com água; essas ordenanças exteriores foram impostas até o tempo da nova ordem. (Hebreus 9:9,10) (NVI) grifo meu.

        A partir desses versículos, o autor começa a demonstrar, inspirado pelo Espírito Santo, que esses rituais eram transitórios e apontavam para o verdadeiro sacrifício, que seria realizado pelo Messias:
“Quando Cristo veio como sumo sacerdote dos benefícios agora presentes, ele adentrou o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito pelo homem, isto é, não pertencente a esta criação. Não por meio de sangue de bodes e novilhos, mas pelo seu próprio sangue, ele entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, e obteve eterna redenção. Ora, se o sangue de bodes e touros e as cinzas de uma novilha espalhadas sobre os que estão cerimonialmente impuros os santificam de forma que se tornam exteriormente puros, quanto mais, então, o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu de forma imaculada a Deus, purificará a nossa consciência de atos que levam à morte, de modo que sirvamos ao Deus vivo! ” (Hebreus 9:11-14) (NVI) (grifo meu)
         Acredito que mais claro que isso, impossível! O Filho tornou-se o Sacerdote Supremo e Perfeito para todos os homens (e não exclusivamente o representante do povo da antiga aliança). Ele é o Sacerdote Supremo porque sua reconciliação não precisará jamais ser repetida, ano após ano, e pelos mesmos pecados, mas foi feita “de uma vez por todas”. Ele é o perfeito Sacerdote-Salvador porque verdadeiramente realizou a remoção real do pecado e a redenção do pecador ao invés de simplesmente cobrir o que ainda permanece na consciência. Mantendo a imagem do Dia da Expiação, o Senhor Jesus é representado como o Supremo Sumo Sacerdote!


       Mas parece que o “apóstolo” Agenor Duque pensa diferente. Pois como você poderá perceber pelo vídeo abaixo, auxiliado por Yossef Akiva (ou seria José Marcelo Pessoa de Paula), ele acredita que a observância do Dia de Yom Kipur é essencial para a vida cristã, além de trazer inúmeros “benefícios” para aqueles que celebram essa data. Não faço uma crítica aqui, o simples fato de um líder ensinar sua igreja a importância do arrependimento para a vida cristã, que devemos sempre estar orando à Deus pedindo perdão pelos nossos pecados e até separar um dia para que a igreja, em comunhão faça um jejum voluntário e oração. Isso é até louvável e oportuno e também indiscutível! Porém um líder ensinar seus membros a seguirem festas judaicas que eram sombras da verdadeira revelação em Jesus Cristo, que já não fazem sentido à luz da Nova Aliança e ainda por cima usar desse artifício para arrancar dinheiro dos fiéis, é um absurdo! 

         Mas como Duque não é tão inocente assim, ele em momento nenhum diz que o sacrifício de Jesus não vale mais, ou que é necessário o uso do sangue, como os sacerdotes faziam antigamente. Ele transforma o sangue do sacrifício em uma oferta financeira! Isso mesmo. Ele diz que após o jejum, ninguém deverá se apresentar à Deus de mãos vazias, mas trazer sua “oferta voluntária” simbolizando o sangue nas mãos do sacerdote. Assista:


Bom, se você conseguiu ver todo o vídeo irá perceber:


1) Já no início do vídeo Akiva se diz detentor de um conhecimento especial que lhe foi revelado por Deus e que deveria compartilhar essa “nova revelação”. Esse seria um conhecimento restrito, que poucos tem acesso à ele. Para quem conhece um pouco de história, irá perceber que o que ele faz é ressuscitar uma heresia, combatida pela igreja desde o período apostólico, chamada gnosticismo, onde os precursores dessa heresia se diziam conhecedores de verdades ocultas e mistérios, alegando um conhecimento (gnose) esotérico e secreto revelada para os “iniciados”. Durante todo o vídeo, o leitor irá perceber uma gama de elementos cabalísticos e esotéricos, estilo Paulo Coelho, utilizados como “verdades” bíblicas e insinuações de que existe um “segredo” de que aqueles que o conhecem, tem poder sobre o mundo espiritual.

2) A partir dos 18:00 minutos do vídeo, Akiva defende o uso de Atos proféticos que, segundo ele, abrem “portas” de interligação entre o mundo físico e o mundo espiritual. Defende que as portas que são colocadas no meio da igreja plenitude, para que as pessoas passem por debaixo delas, dão acesso ás oportunidades. Ele continua dizendo que existem três portas, que são abertas em determinados períodos: Páscoa, Tabernáculos e Pentecostes (além da porta do Sábado que se abre a cada 7 dias, só faltou dizer que a igreja também deveria guardar o sábado!). E o “cabalismo” continua até que o “apóstolo” (a partir 37:30) reassume o controle do microfone para dizer a todos aqueles que seguem o calendário Gregoriano estão debaixo do jugo de Roma. Ele diz que Deus não fez domingo, mas fez a "primeira-feira", mas o “papa Domiciliano” (sic) tirou a primeira feira e colocou o domingo. Talvez ele não saiba, mas Domiciano e não “Domiciliano” nunca foi papa, mas um imperador Romano, grande perseguidor da igreja primitiva que nada teve a ver com a mudança de calendário. O nosso calendário foi instituído pelo Papa Gregório em 1.582, quase 1.500 anos depois do reinado de Domiciano. Ele continua dizendo que não existe ano de 2016, pois estamos no ano 5.77... aí ele pede ajuda ao Akiva, pois nem ele sabe em que ano está! E conclui: “Desde a criação do homem no sétimo dia....” (Sim, ele disse isso!) que as pessoas comemoram a virada do ano na época errada, onde nada ocorre no mundo espiritual, pois o ano novo que deve ser seguido é o ano novo Judaico.

3) Akiva reassume o microfone dizendo que: “Mandamento perpétuo não pode ser mudado (...)” O que talvez ele não saiba ou finge não saber, é que a circuncisão e guarda do sábado, assim como a celebração da Páscoa Judaica e das outras festas, também são estatutos perpétuos ordenados à Israel. Pegando pelo argumento dele, então a igreja hoje deve seguir todos os estatutos perpétuos da Bíblia, inclusive a circuncisão! O pastor Akiva poderia terminar muito bem a mensagem (aliás ele disse muitas coisas corretas) dizendo que Jesus foi o cumprimento desse ritual e hoje a igreja não necessita mais de realizar o Yom Kipur, pois o sacrifício foi feito uma vez por todas e que todo dia é dia de Perdão! Mas ele preferiu ir pelo caminho oposto e ensinar a igreja a se voltar para as sombras e rudimentos judaicos e ainda dizer que as “coisas” acontecem na Plenitude devido à obediência dessa igreja à esse ritual. Diz também que a igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus está na vanguarda, pois é a única igreja cristã que celebra o Yom Kipur (Porquê será?) e usa de um pragmatismo tolo ao dizer que existem igreja muito mais antigas que não tem uma parte dos membros que a Plenitude tem (por que será?). Akiva termina sua participação, dizendo:

“Se só Jejuar, se só orar, se só se consagrar e, na hora fatídica de selar, não tiver o seu sacrifício, perdeu tempo”. 

Entenderam? O sacrifício (financeiro, claro) é muito mais importante! 

       E, finalizando, Agenor Duque ao ser lhe dirigida a palavra como o anjo da igreja, abre o jogo de como será esse “sacrifício”. Aí você já pode imaginar o que vem por aí, vindo desse movimento denominado Teologia da Prosperidade. Mas antes ele tenta intimidar a igreja, impedindo as pessoas de saírem, pede para que os obreiros fechem as portas do templo e começa o festival de ameaças. Primeiro, ele diz que o fiel talvez não esteja vivo no ano que vem e aquela pode ser a sua última oportunidade. Depois coloca um vídeo do Silvio Santos (que é judeu), para corroborar com a sua visão. O problema é que se você prestar atenção, perceberá que o próprio Silvio Santos detona toda a artimanha do “apóstolo”. Dando tons mais severos às suas ameaças, Duque diz que havia um bispo  da sua igreja que disse que o Yom Kipur “é coisa de judeu, eu não sou judeu, eu sou cristão” e, por não ter se consagrado, aquele ano, Deus deu fim ao ministério dele. Tipo essas pragas e correntes de internet, que se você não repassar vai encontrar sua mãe morta atrás da porta, você vai morrer ou uma grande desgraça vai se abater sobre sua vida.

       Exatamente, às 01:31 min. do vídeo ele diz: “Ah! Um detalhe. ” Aí você vai entender o sentido de todo esse ritual e para onde converge a ministração do sr. Akiva. Ele apresenta um envelope onde será trazida a “oferta de sacrifício. Nele o fiel deverá colocar ou um valor de 2.017,00 reais, ou o fiel vai colocar uma oferta de 1.000,00 reais. Cada pessoa também irá receber uma Mezuzah, que é um artefato judaico que deve ser afixado na porta de cada dependência do lar (e não pendurado no pescoço como ele faz), para “proteger” os moradores e “afastar os infortúnios”. 

Mezuzah
(Veja esse link que explica como a Mezuzah deve ser colocada. Você perceberá que Agenor Duque quer sincretizar judaísmo com cristianismo, porém ele nem entende o que ele está fazendo. A Mezuzah que ele oferece é uma ofensa ao conceito judaico!)

       Infelizmente, é muito difícil ter que escrever sobre isso. Mas é necessário. Pessoas estão seguindo líderes que vem com aparência de piedade, mas no fundo são lobos devoradores. E essas não são somente minhas palavras, a própria Palavra de Deus nos alerta sobre isso:

“No passado surgiram falsos profetas no meio do povo, como também surgirão entre vocês falsos mestres. Estes introduzirão secretamente heresias destruidoras, chegando a negar o Soberano que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. Muitos seguirão os caminhos vergonhosos desses homens e, por causa deles, será difamado o caminho da verdade. Em sua cobiça, tais mestres os explorarão com histórias que inventaram. Há muito tempo a sua condenação paira sobre eles, e a sua destruição não tarda. ” (2 Pedro 2:1,3) (NVI) grifo meu.
       Não existe celebração nem ritual de Yom Kipur para a igreja. Os apóstolos nada ensinaram a igreja sobre isso, nem os pais da igreja, nem os reformadores. Ensinaram sim, o verdadeiro significado e o cumprimento em Jesus. Não existe perdão sem derramamento de sangue! (Hb 9.22) O Yom Kipur dos Judeus, por não haver o sacrifício com o derramamento de sangue está incompleto. Os Judeus Messiânicos que celebram o Yom Kipur como um dia de perdão e arrependimento, entendem que sem o sangue esse ritual não faz sentido. Mas por crerem em Yeshua, o Messias, acreditam que é o Seu sangue que nos redime do pecado. Eles celebram essa festa como parte de sua identidade judaica e como um dia de reflexão sobre o novo ano que se inicia. Porém, entendem que sem o sacrifício do Messias não existe verdadeiro perdão.  Para encerrar, deixo as palavras do rabino Marcelo M. Guimarães, Judeu Messiânico sobre o Yom Kipur:

“Para o povo Judeu que não acredita em Yeshua, o processo de arrependimento é complicado pelo fato de que há muitos textos bíblicos que são lidos nos cultos do dia da expiação que mencionam a necessidade de sangue e sacrifício para a perdão de pecados. Aqueles que acreditam em Yeshua, o Messias, sabem que o sangue de bodes e touros não mais corre no altar para expiar os pecados de Israel, mas o sangue derramado por Yeshua por nossas transgressões está ainda disponível para expiar e perdoar e redimir os judeus de seus pecados. Minha oração neste ano é que durante estes dez dias de arrependimento o Senhor revelará ao Seu povo amado, que já proveu o cordeiro para expiação dos pecados. Por outro lado, minha oração é também para que o mundo cristão gaste tempo e avalie seus erros e pecados coletivos e individuais cometidos, e gaste mais tempo ainda reaplicando o sangue de Yeshua que está ainda fresco e não seco, capaz de perdoar os pecados da humanidade. ”
       
       Mas parece que o “apóstolo” prefere se voltar aos rudimentos da fé, dando ouvidos à fábulas engenhosas, costurando o véu que Jesus rasgou e levando atrás de si uma multidão ávida pelas riquezas desse mundo. E o pior: se utiliza de um ritual que não é necessário ser repetido pela Igreja para explorar a fé dos fiéis com sacrifícios financeiros. Que esse senhor se converta verdadeiramente ao Eterno e passe a pregar o verdadeiro Evangelho do Nosso Senhor Jesus Cristo. Ainda há tempo. 
“Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, sentindo coceira nos ouvidos, segundo os seus próprios desejos juntarão mestres para si mesmos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos. (2 Timóteo 4:3,4) (NVI) (grifo meu)
“Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo. Mas ainda que nós ou um anjo do céu pregue um evangelho diferente daquele que lhes pregamos, que seja amaldiçoado! Como já dissemos, agora repito: Se alguém lhes anuncia um evangelho diferente daquele que já receberam, que seja amaldiçoado! (Gálatas 1:6-9) (grifo meu)
Paz do Senhor à todos os que estão em Cristo Jesus.

Maranata!

Prof. Saulo Nogueira

Referências Bibliográficas:

Dicionário Bíblico Wycliffe - 2ª edição - Rio de Janeiro: CPAD, 2007;

Tenney, Merrill C. Enciclopédia da Bíblia Volume 3. 1ª edição - São Paulo: Cultura Cristã, 2008;

http://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/659934/jewish/Significado.htm; 

http://www.chabad.org.br/mitsvot/mezuza/home.htm;

http://ensinandodesiao.org.br/artigos-e-estudos/yom-kipur-dia-do-perdao/;

(acesso em 18/10/2016)