Quando Julia tinha aproximadamente seis anos ela começou a chegar com coisinhas da escola. Era um lápis, um apontador, uma borracha, uma canetinha diferente... Para ela, não passava de algo bonito. Para a criança, o senso de propriedade não é como no adulto. E as crianças também não têm o sentimento de apego irrefreável às coisas que nós, os adultos, normalmente temos. Uma criança pode dar e tirar sem constrangimento algum. Pois bem. Num certo momento, Cláudia e eu achamos que precisávamos conversar com ela. Explicamos que aquelas coisas não lhe pertenciam, que o coleguinha, e sua mãe, iriam sentir falta delas, e que ela precisava refrear o desejo de querer pegá-las para si. Ela argumentou que todos os colegas faziam isso, inclusive pegavam as coisas dela, o que era verdade. Mas nós explicamos que, apesar de as outras crianças agirem daquela forma, não era certo fazer assim. Não me lembro bem, mas acredito que conversamos com ela, no quarto dela, umas três vezes. Estávamos preocupados que a filha tivesse a noção de limites não apenas quanto ao que lhe pertencia e ao que pertencia ao outro, mas também quanto a si mesma, suas vontades, seus instintos, suas pulsões, diriam os psicólogos.
Infelizmente, isso não deu certo. E, com muito pesar, tive que discipliná-la, como costumava fazer quando acontecia alguma desobediência expressa a um fato que considerávamos importante. Levei-a para o quarto dela e apliquei uma, ou duas chineladas (não me lembro) no bumbum. Depois a abracei, beijei-a, orei com ela. Sequei as lágrimas dela e as minhas... Nunca mais aconteceu de ela pegar coisas que não lhe pertenciam. E quando a entreguei ao Lucas, no altar, sabia quem era minha filha. Uma jovem que, assim como teve que aceitar nãos do pai e da mãe, mesmo que mediante disciplina física, saberá dizer não quando a vida vier a lhe exigir que o faça.
O Senado federal acabou de seguir a votação na Câmara, aprovando o Projeto de Lei nº 7672/2010. Diz o primeiro artigo: “A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.”
Por essa lei, agora ninguém mais poderá aplicar a uma criança ou adolescente qualquer espécie de constrangimento físico que cause dor ou sofrimento. Além disso, passa a ser punível o tratamento compreendido como cruel e degradante, o que a lei conceitua como sendo humilhação, ameaça grave, ou ridicularização. Os pais, avós, professores, cuidadores, enfermeiros, etc., que praticarem qualquer uma dessas condutas (termos abertos: até mesmo uma repreensão em sala de aula poderá ser enquadrada na lei), serão obrigados a frequentar sessões psicoterápicas e programas de auxílio à família, sem que tenha sido afastada a possibilidade de aplicar-se ao transgressor ainda outras medidas mais graves, como a imputação do crime de maus-tratos ou tortura ao pai, à mãe, ao professor, ou qualquer um que tenha o dever de cuidar, tratar, educar ou vigiar. Os pais poderão, até mesmo, perder o poder familiar sobre o filho.
Pela lei que está na iminência de ser validada, se for sancionada pela presidente da República, eu seria punível pelas minhas condutas para com as meninas. Assim, há dezoito anos eu teria sido processado e, talvez, em razão das chineladas no bumbum da Julia, eu não teria me tornado advogado, nem professor de direito da criança e do adolescente, consultor de governo na área, mestre e doutor em Educação pela USP em tema de direito e gestão da criança e do adolescente. Não teria vindo a Brasília para trabalhar no órgão em que as políticas destinadas ao atendimento de adolescentes que praticaram delitos (atos infracionais) são geridas. Minha carreira jurídica teria sido abortada, pois teria perdido toda a credibilidade social. Inclusive, não teria presidido o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Jundiaí. Afinal, teria praticado maus-tratos contra minhas filhas, e praticado conduta cruel e degradante. Não teria apelo, pois eu seria réu confesso.
De minha parte, o que tenho a dizer é o seguinte: amei muito minhas filhas. Amei-as tanto que ousei discipliná-las fisicamente, quando julgamos necessário. Fiz isso com lágrimas, com dor no coração. Talvez tenha cometido erros. Mas as amei. Não queria transferir a ninguém minha responsabilidade. O que fiz, fiz acreditando no rei Salomão: “O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina” (Provérbios 13:24).
Passados tantos anos, contemplando nossas filhas, Cláudia e eu, no ano em que completamos vinte e cinco anos de casados, jovens imperfeitas, mas respeitosas, alegres, ainda que com as mesmas questões de todos os mortais, tendo boa referência de todos; trabalhando, a Julia fisioterapeuta e a Carolina quase nutricionista; e a julgar pelos inúmeros adolescentes que se julgam reizinhos, sendo muitos deles insuportáveis, fazendo o mal, ofendendo com palavras, gestos, agressões físicas, desrespeitando tudo e todos, tenho ainda mais certeza de que o rei Salomão estava certo. E continuarei me opondo a todos aqueles que, advogando segundo o discurso do direito da criança e do adolescente, entendem que isso implica deixar essas pessoas em processo de desenvolvimento sem parâmetros morais claros e precisos, parâmetros esses que foram construídos ao longo de muitos séculos sob as bases do pensamento judaico-cristão e os princípios liberais, e estão, há algumas décadas, sendo destruídos por um modo de pensar niilista e “socialista”.
A lei deveria ser aplicada àqueles que são violentos com os filhos, batem por impaciência, de qualquer jeito, com porrete, cinta, no rosto, na cabeça, nos pés. Contra aqueles que, sob pretexto de corrigir, descarregam suas raivas na própria criança. Contra aqueles que usam a mão para ferir, ao invés de acariciar. Essa deveria ser a interpretação da finalidade da lei, dada pelos tribunais. Entretanto, a julgar pelos olhares dos magistrados que, em nome dos direitos humanos, perderam a noção do razoável, acredito que a lei terá alcançado o objetivo daqueles que a idealizaram, sabendo ou não sabendo, e dará início a uma caça às bruxas. O medo dos professores de aplicação de multas e responsabilizações diversas, aliado à pseudociência psicológica, pedagógica e assistencial, produzirá o que nenhum de nós deseja, mesmo os pais mais liberais: as crianças terão vencido o combate. Os pais, nocauteados, no chão, não terão nada a fazer, senão se esconder, manipular, controlar por meio de ameaças ao filho de perder isso ou aquilo, etc.
Agir ou não agir porque é certo ou errado não interessará, e não funcionará. E medidas mais radicais somente os traficantes, ou os torturadores e matadores de adolescentes poderão adotar, o que ainda mais rigorosamente continuarão a fazer. Sem piedade, sem choro, sem lágrimas, sem abraço, sem oração. Sem amor. Sem verdade.
E todos aqueles que desejam que a família acabe, conforme a ideologia dos proletários, que muitos estão seguindo sem o saber, terão vencido.
De minha parte, não me calarei.
(Édison Prado de Andrade) Via Criacionismo.com
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