O Encontro de Abraão e Melquisedeque de Dieric Bouts O Velho, 1464–1467 |
O relato de Gênesis 14.18-20 parece
um episódio eminentemente histórico, da mesma forma que o resto do capítulo. A
passagem nos fala da existência de um rei-sacerdote de Salém (isto é,
Jerusalém, com toda a probabilidade) chamado Melquisedeque, o qual achou-se na
obrigação de saudar Abraão, que voltava da guerra e do morticínio dos reis da
Mesopotâmia, entre Dã e Hobá (v. 15), e fornecer provisões para os soldados
fatigados da guerra. Deu-lhe os parabéns pela vitória heroica e derramou uma
bênção sobre ele, em nome do "Deus Altíssimo" (’El ‘Ēlyôn) —
título jamais aplicado nas Escrituras a alguém que não o próprio Iavé. É óbvio
que Melquisedeque era um verdadeiro crente que permanecia fiel ao culto ao autêntico
e único Deus (da mesma forma que Jó e seus conselheiros do norte da Arábia e Jetro, sogro de Moisés). O
testemunho de Noé e de seus filhos evidentemente fora mantido em outras partes
do Oriente Médio, além de Ur e Harã. Houve, todavia, um aspecto de grande
importância a respeito da maneira como Melquisedeque foi introduzido na
narrativa: seus pais não são mencionados, não havendo declaração alguma a
respeito de seu nascimento e morte. A razão dessa falta de informações se torna
clara em Hebreus 7.3:
"Sem pai, sem
mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida, feito semelhante ao
Filho de Deus, ele permanece sacerdote para sempre".
O contexto
esclarece que Melquisedeque entrou em cena como um tipo do Messias, o Senhor
Jesus. A fim de salientar essa característica típica desse sumo sacerdote, o
registro bíblico omite de propósito a menção de seu nascimento, filiação,
parentesco e linha genealógica. Isso não quer dizer que ele não teve pai
(pois até o antítipo, Jesus de Nazaré, teve o Espírito Santo como seu Pai — e
sua mãe, Maria, é mencionada nos evangelhos) nem que ele jamais nascera (pois
até Cristo, em sua forma humana, teve seu natal). É que o aparecimento
dramático e repentino de Melquisedeque ficou mais saliente quando ele foi
apresentado como porta-voz do Senhor a Abraão, servindo como arquétipo do
futuro Cristo, que derramaria bênçãos sobre o povo de Deus.
Melquisedeque apresentou-se como
precursor ou tipo do grande Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, que desempenharia uma
função sacerdotal muito mais elevada e eficaz que Arão e os levitas. Isso foi
ensinado nos dias de Davi, em Salmos 110.4, referindo-se ao futuro Libertador
de Israel: "O Senhor jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre,
segundo a ordem de Melquisedeque". Hebreus 7.1, 2 salienta as
características de Melquisedeque como tipo de Cristo:
1. Melki-sedeq de fato
significa "rei da justiça".
2. Ele era rei de šālēm, que
vem da mesma raiz de šālōm, "paz".
3. É apresentado sem menção de
nascimento, filiação ou genealogia, como convém ao tipo do Verbo, o Deus
eterno, que não tem começo nem fim, que se encarnou em Jesus de Nazaré.
4. Como o Sumo Sacerdote eterno,
segundo a "ordem de Melquisedeque" (Sl 110.4), Cristo desempenharia
um sacerdócio que substituiria de modo total o de Arão, estabelecido sob a lei
de Moisés, o qual duraria para sempre, por causa da eternidade do Sumo
Sacerdote divino, e era por isso imperecível (Hb 7.22-24).
A despeito das tradições fantasiosas mantidas e
ensinadas por alguns rabinos (que apareceram bem cedo, ao surgir a seita de
Qumran — cf. Fragmento de Melquisedeque da caverna 11), segundo a qual
Melquisedeque teria sido uma espécie de anjo ou ser sobrenatural, os dados da
própria Escritura apontam com clareza para a historicidade desse homem como
sendo o rei de Jerusalém nos dias de Abraão. Sua descrição em Hebreus 7.3 como apatōr,
amētōr, agenealogētos ("sem pai, sem mãe, sem genealogia") não
pode significar que Melquisedeque jamais teve pais ou linha de ancestrais,
visto que ele era um tipo de Jesus Cristo, a respeito de quem nenhum desses
adjetivos é literalmente verdadeiro. Antes, o texto simplesmente está dizendo
que nenhum desses itens de informação foi incluído no registro de Gênesis 14 e
que foram omitidos de propósito a fim de enfatizar a natureza divina e a
impossibilidade de o Messias, o antítipo, vir a perecer.
Fonte: Archer L., Gleason. Enciclopédia de Temas Biblicos.
Paz á todos que estão em Cristo Jesus.
Prof. Saulo Nogueira
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